Veja o que está por trás dos surtos de coqueluche no mundo
Tosse seca, comprida. Começa leve e, ao longo dos dias, vai evoluindo para severa e descontrolada. Torna-se tão intensa que compromete a respiração. Esses são alguns dos sintomas e sinais da coqueluche. Essa doença já foi muito frequente nas décadas de 1970 e 1980, mas diminuiu consideravelmente com o avanço da vacinação. Agora, volta a preocupar o mundo.
Coqueluche: que doença é essa?
A coqueluche é uma infecção respiratória causada pela bactéria Bordetella pertussis. Na fase inicial, pode ser confundida com uma gripe. Os sintomas mais comuns são febre, coriza, mal-estar e tosse seca. Na sequência, ocorrem as crises (acessos) de tosse seca contínua. As crises podem se tornar tão intensas a ponto de comprometer a respiração. Elas podem ainda provocar vômito, dificuldade para comer e beber, cansaço extremo.
Fig 2. A bactéria Bordetella pertussis vista com auxílio de microscópio eletrônico. Crédito: Vaccines at Sanofi/Flickr
A transmissão da coqueluche ocorre por meio do contato direto de pessoas doentes com pessoas não vacinadas. A bactéria passa de uma para outra a partir de gotículas eliminadas pela tosse, espirro e fala.
A infecção pode levar a complicações e até mesmo à morte, principalmente, em crianças com menos de seis meses de idade.
Tendência de alta em casos de coqueluche no Brasil e no mundo
Durante todo o ano de 2023, a União Europeia registrou cerca de 25 mil casos de coqueluche. Já em 2024, somente nos três primeiros meses do ano, o Centro Europeu de Controle e Prevenção das Doenças (ECDC) registrou mais de 32 mil casos. Nos Estados Unidos, foram 7.847 casos notificados até 6 de julho de 2024.
A situação também é alarmante na Ásia. A China contabilizou 32.380 casos entre janeiro e fevereiro de 2024. O número é bem superior aos 1.421 casos registrados no mesmo período em 2023.
E como está a coqueluche no Brasil? Por aqui, a tendência também é de aumento. Nos 12 meses de 2023, foram notificados 217 casos de coqueluche no país. Em 2024, somente no primeiro semestre (até 04/07) já havia 339 notificações da doença.
A maioria dos casos registrados no Brasil no primeiro semestre de 2024 foi na Região Sudeste do país. Apenas na cidade de São Paulo, os casos notificados já somam 165. Neste mesmo período em 2023, foram apenas 14 notificações, indicando que houve um aumento de mais de 1000% nas notificações no município.
Veja abaixo os 13 estados brasileiros que notificaram casos da doença no primeiro semestre de 2024. A ausência de notificações nos outros estados sugere que pode haver casos não registrados no sistema do Ministério da Saúde, o que chamamos de subnotificação.
Tabela 1. Casos de coqueluche notificados de 1° de janeiro de 2024 até 04 de julho de 2024
Se não tiver vacina, vai ter doença
A principal causa para o aumento no número de casos de coqueluche no Brasil e no mundo é uma velha conhecida nossa: a vacina, ou melhor, a falta dela. A queda nas taxas de vacinação é o grande problema. “Altas coberturas vacinais combatem a instalação da doença porque levam à proteção, à criação de anticorpos, impedem que a doença se instale”, destaca a Lurdinha Maia, Coordenadora do Departamento de Assuntos Médicos de Bio-Manguinhos (Fiocruz).
No caso da coqueluche, a meta é vacinar 95% das crianças até 6 anos de idade, gestantes, mulheres no pós-parto e profissionais de saúde. Mas, segundo a especialista, a taxa de vacinação em 2023 no país não alcançou 85%.
Que vacinas tomar para evitar a coqueluche?
Três vacinas protegem contra a coqueluche. Elas estão disponíveis em unidades básicas de saúde (UBS) de todo o país para os seguintes grupos:
Vacina Pentavalente: protege contra coqueluche e também contra difteria, tétano, hepatite B e infecções causadas pela bactéria Haemophilus influenzae tipo B. É administrada em três doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade.
DTP (tríplice bacteriana infantil): protege contra difteria, tétano e coqueluche. É administrada em duas doses como reforços da Pentavalente. Deve ser feita aos 15 meses de idade e aos 4 anos de idade (até os 6 anos).
dTpa adultos (tríplice bacteriana acelular tipo adulto): protege contra difteria, tétano e coqueluche. Deve ser administrada em gestantes, uma dose a cada gestação (a partir da 20ª semana) ou em mulheres até 45 dias após o parto que não receberam a vacina na gestação. Profissionais de saúde e parteiras devem tomar uma dose, além de doses de reforço a cada 10 anos.
Confira o calendário de vacinação no site do Ministério da Saúde: https://www.gov.br/saude/pt-br/vacinacao/calendario
Por que a taxa de vacinação está abaixo da meta?
Já ouviu falar em hesitação vacinal? Chamamos de hesitação vacinal a relutância, a recusa à vacinação. Segundo a Coordenadora do Departamento de Assuntos Médicos de Bio-Manguinhos (Fiocruz), este é um dos fatores que tem contribuído para a vacinação insuficiente em todo o mundo. “Notícias falsas falando que vacina mata, que dá muitas reações adversas e etc. estão deixando a população com receio de fazer a vacinação, tem diminuído essa confiança”, destaca Lurdinha Maia.
Há ainda fatores relacionados à logística, isto é, à dificuldade de garantir que todas as pessoas tenham acesso aos locais de vacinação. Existem também desafios quanto à capacitação dos trabalhadores de saúde. “O nosso calendário de vacinação é muito complexo. São mais de 20 vacinas. Então, é preciso que os profissionais que estão em sala de vacina tenham conhecimento, não tenham dúvidas, saibam dialogar”, acrescenta a especialista, apontando que este grupo de trabalhadores, ao lado dos agentes comunitários de saúde (ACS), são essenciais, pois são o elo com a comunidade.
É preciso vacinar mais para evitar a coqueluche
A redução dos casos de coqueluche no Brasil e no mundo depende necessariamente do aumento das taxas de vacinação. “A primeira estratégia é alcançar quem não foi vacinado”, destaca Maia. Afinal, é a vacinação que impede que a doença se propague.
Outra medida importante é buscar atenção médica em caso de sintomas, pois a coqueluche precisa ser tratada de forma adequada, com antibióticos. “Tratamentos caseiros são um risco”, alerta a especialista.
Ir ao médico, além de ser fundamental para sua recuperação, também é importante para o sistema de vigilância em saúde. Possibilita que haja notificação do caso e, assim, que os gestores saibam o real tamanho do problema. Permite ainda adotar medidas preventivas para que outras pessoas não adquiram a infecção.
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Fontes consultadas:
Brasil, Ministério da Saúde. Coqueluche. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/coqueluche Acesso em: 26 jul 2024
Brasil, Ministério da Saúde. Coqueluche/Situação Epidemiológica. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/coqueluche/situacao-epidemiologica. Acesso: 26 jul 2024
Laboissière P. Agência Brasil. Coqueluche: saiba mais sobre a doença que voltou a preocupar o mundo. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2024-06/coqueluche-saiba-mais-sobre-doenca-que-voltou-preocupar-o-mundo. Publicação: 16 jun 2024. Acesso: 26 jul 2024
Capomaccio S. Jornal da USP. Surto de coqueluche preocupa Europa e já tem aumento de casos em São Paulo. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/surto-de-coqueluche-preocupa-europa-e-ja-tem-aumento-de-casos-em-sao-paulo/. Publicação: 12 jun 2024. Acesso: 26 jul 2024
Cassiano L e Moraes G. CNN Brasil. Aumento de casos de coqueluche preocupa autoridades em SP e RJ. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/aumento-de-casos-de-coqueluche-preocupa-autoridades-em-sp-e-rj/. Atualização: 13 jul 2024. Acesso: 26 jul 2024
Bio-Manguinhos Fiocruz. Coqueluche: sintomas, transmissão e prevenção. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/coqueluche-sintomas-transmissao-e-prevencao. Atualização: 14 jun 2018. Acesso: 26 jul 2024
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Saúde/SMS. Ofício N° SMS-OFI-2024/26638. Rio de Janeiro, 16 de julho de 2024. Disponível em: https://epirio.svs.rio.br/wp-content/uploads/2024/07/SMSOFI202426638A.pdf
Por Teresa Santos