Veja como a dificuldade de acesso a alimentos saudáveis prejudica a saúde de pessoas negras
Você já ouviu falar em racismo alimentar? Se pensou em uma possível relação entre discriminação e comida, está no caminho certo! O racismo alimentar é uma forma de discriminação que dificulta o acesso da população negra e de outros grupos étnicos vulnerabilizados a alimentos saudáveis. Também se manifesta na dificuldade de acesso à terra. Este conceito faz parte de um conjunto maior que inclui diferentes práticas racistas e, infelizmente, são uma realidade no Brasil e no mundo como um todo.
Dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan) revelam que, entre 2021 e 2022, quase 20% dos lares brasileiros chefiados por pessoas pretas e pardas sofriam com a fome. Por outro lado, a taxa foi de cerca de 10% nos lares chefiados por pessoas brancas, isto é, metade da observada entre negros.
Ainda segundo o estudo Vigisan, 65% dos lares comandados por pessoas pretas ou pardas conviviam com restrição de alimentos em algum nível. Já nos lares chefiados por pessoas brancas, essa taxa foi inferior a 50%.
Os dados reforçam a existência do racismo alimentar e também do chamado nutricídio. Segundo a nutricionista Wanessa Natividade Marinho, tecnologista em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), nutricídio é a “privação sistemática de alimentos nutritivos em comunidades marginalizadas”. Ou seja, a dificuldade de acesso à alimentação saudável, devido à falta de recursos financeiros, por pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Racismo alimentar e saúde
A dificuldade ao acesso a alimentos frescos e saudáveis e, por outro lado, a maior exposição a ultraprocessados (alimentos industrializados que passaram por várias etapas de processamento) contribuem para a manutenção de desigualdades sociais e de saúde.
Segundo Wanessa, que também é líder do Núcleo de Alimentação, Saúde e Ambiente (Nasa/CST/Cogepe) da Coordenação de Saúde do Trabalhador da Fiocruz e doutoranda em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), esses fenômenos impactam de maneira significativa no desenvolvimento infantil das crianças negras.
“A falta de acesso a alimentos nutritivos pode resultar em deficiências nutricionais, comprometendo o crescimento físico e cognitivo, além de aumentar o risco de doenças crônicas não transmissíveis”, destaca Wanessa ao Invivo.
Além disso, ela lembra que a discriminação e o estigma associados à falta de alimentos podem afetar negativamente a saúde mental e emocional das crianças, influenciando seu desempenho acadêmico e social.
Já no caso dos adultos, o racismo alimentar pode, por exemplo, aumentar o risco de obesidade, diabetes, hipertensão e outras doenças relacionadas à dieta inadequada.
Racismo alimentar para além da comida
Embora a alimentação seja um processo voltado para a manutenção do bom funcionamento do nosso organismo, ela vai além disso. A prática, segundo Wanessa, também fortalece e promove laços comunitários.
O pesquisador Marcelo Firpo, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), há alguns anos investigou, por exemplo, como populações praticantes de religiões de matrizes africanas eram afetadas por uma série de práticas, tal como a privatização dos mercados municipais, que restringiam a implantação ou produção de seus alimentos para os rituais sagrados.
Ele lembra que, em populações tradicionais, o alimento é visto de uma maneira ampla. “O alimento alimenta o corpo, mas também alimenta a alma, o espírito, a força da natureza. Ele é um símbolo do ciclo da vida, do retorno da vida, da vitalidade e do respeito às forças espirituais da natureza”, destacou.
Uma peça em um quebra-cabeça
Os problemas associados ao racismo alimentar são muitos, mas ainda se somam a outros relacionados a outros tipos de racismo. Isto porque o racismo alimentar está inserido em um conjunto de práticas racistas, que, segundo Wanessa, abrange toda a sociedade.
O racismo está presente no nosso cotidiano, sendo, portanto, chamado de racismo estrutural, como explica Marcelo Firpo: “O racismo estrutural é decorrente de séculos de escravidão. A escravidão terminou formalmente, mas, no Brasil, as medidas de inclusão social, de reparação jamais foram levadas a cabo efetivamente. Então, a população negra continua tendo problemas de acesso à educação, a salários adequados, a condições de vida adequadas”.
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Fontes consultadas:
Paula, Fran. APARTHEID ALIMENTAR E O PRIVILÉGIO DE COMER NO BRASIL. Fase – Solidariedade e Educação. Disponível em: https://fase.org.br/pt/artigos/apartheid-alimentar-e-o-privilegio-de-comer-no-brasil/#:~:text=O%20artigo%20A%20imposi%C3%A7%C3%A3o%20da,forma%20eugenista%20de%20controle%20social. Publicação: 16 maio 2023. Acesso: 07 maio 2024
de Castro, Franciléia P. Imposição da fome é racismo alimentar. Radis/Ensp-Fiocruz. Disponível em: https://radis.ensp.fiocruz.br/opiniao/pos-tudo/imposicao-da-fome-e-racismo-alimentar/. Publicação: 8 nov 2022. Acesso: 07 maio 2024
Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar – PENSSAN. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf. Publicação: 2022. Acesso: 07 maio 2024
Por Teresa Santos
Data Publicação: 10/05/2024