Veja como a vacinação nas escolas pode ser uma solução para pais que encontram dificuldades para vacinar seus filhos no dia a dia
Thayná Miranda, de 33 anos, é moradora de Guadalupe, bairro na zona norte da cidade do Rio de Janeiro (RJ), e mãe de dois filhos: o pequeno Gael, de 4 anos, e Geovanna, de 11 anos de idade. Ambos foram vacinados contra a gripe em 2024 em colégios públicos cariocas. A iniciativa que beneficiou Thayná e seus filhos é fruto das ações do Programa Saúde na Escola (PSE), uma iniciativa do governo criada em 2007. Vamos conhecer melhor essa história?
Quando começou essa ideia
O PSE, que já existe há mais de 15 anos, é fruto de uma colaboração entre os ministérios da Saúde e da Educação. Este programa envolve diversas ações de saúde no ambiente escolar, particularmente, nas escolas públicas, entre elas, a verificação da situação vacinal dos alunos.
Em 2023, graças à implementação do Movimento Nacional pela Vacinação, o PSE ganhou um grande ‘reforço’. A ação do Ministério da Saúde buscava reconquistar altas taxas de vacinação na população brasileira. E, ainda, fortalecer o Programa Nacional de Imunizações (PNI), restaurando a confiança da população nas vacinas. Uma medida importante, pois desde 2016 o cenário era de queda para vários imunizantes no país.
“Em 2023, destinamos mais de R$ 90 milhões aos municípios participantes do PSE. O ciclo de 2023 a 2024 alcançou recorde histórico de adesão, com 99% dos municípios brasileiros pactuados no programa e, aproximadamente, 40,2 mil escolas e creches envolvidas. A região Nordeste se destaca entre as experiências mais positivas”, informou em nota o Ministério da Saúde.
Para fortalecer as ações de vacinação nas escolas públicas, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 14.886/24 em junho de 2024, criando o Programa Nacional de Vacinação em Escolas Públicas, voltado para alunos da educação infantil e do ensino fundamental.
O Ministério da Saúde não soube informar como a Lei será operacionalizada, mas disse à reportagem que a regulamentação da mesma está em fase de elaboração dentro do ministério.
Eu sou obrigado a participar de ações de vacinação nas escolas?
A lei 14.886/24 prevê que “todos os estabelecimentos de educação infantil e de ensino fundamental públicos ou que recebam recursos públicos deverão participar das atividades previstas”.
Mas, calma! A vacina nas escolas não será obrigatória, mas fortemente recomendada. As instituições de ensino devem entrar em contato com a unidade de saúde mais próxima, informar o número de alunos matriculados e agendar uma data para a vacinação, seguindo as campanhas do Ministério da Saúde. Os responsáveis devem ser informados com no mínimo cinco dias de antecedência e a criança deve ser orientada a levar o cartão de vacinação no dia agendado.
Por que a vacinação nas escolas é importante?
De acordo com o último inquérito nacional de cobertura e hesitação vacinal de 2023, realizado pelo Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (Cealag), mais de 98% dos responsáveis entrevistados em capitais brasileiras são favoráveis ao PNI.
No entanto, os pais de 4,9 mil crianças (12,9%) que participaram do inquérito, de um total de 37,8 mil, disseram que têm dificuldades para levar seus filhos para serem vacinados. Os motivos principais foram: a distância da unidade básica de saúde em relação à casa ou trabalho, a falta de tempo, o adoecimento do filho e os horários de funcionamento do serviço de saúde.
Confira abaixo dados do Inquérito nacional de cobertura e hesitação vacinal de 2023.
A falta de tempo era, por exemplo, uma questão para Thayná Miranda, a mãe que conhecemos no começo deste texto. “Os horários de atendimento (das unidades básicas de saúde) muitas vezes coincidem com o do trabalho”, relata ao Invivo.
Além de ser uma importante aliada dos pais, a vacinação nas escolas é também recomendada por especialistas em saúde pública e pode contribuir para ampliar ainda mais o sucesso do PNI. “A vacinação na escola vai pegar um grupo com o qual temos mais dificuldades: o adolescente. Uma criança que não está vacinada pode levar outras doenças e contribuir para a propagação da enfermidade dentro do ambiente escolar”, adverte a médica Maria de Lourdes de Sousa Maia, coordenadora do Departamento de Assuntos Médicos de Bio-Manguinhos, da Fiocruz.
Maia ressalta, no entanto, que o PNI deve colocar de forma clara quais serão as diretrizes para a implementação da lei, já que ainda há pontos dúbios no texto. De forma complementar, o Ministério da Educação deve incentivar que os profissionais da educação atuem como agentes de saúde, conscientizando os alunos sobre a importância da vacinação. “É esse envolvimento que vai fazer com que os pais, as crianças e os jovens entendam a importância da vacinação”, defende a pesquisadora.
Vacinação nas escolas é caso de sucesso na Austrália
Segundo a médica Melissa Palmieri, do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, diversos são os fatores que explicam a queda na imunização infantil. “Alguns pais têm dúvidas sobre a confiança, a eficácia e a segurança das vacinas. Outros não percebem a importância da vacinação para doenças que já foram controladas porque não veem os impactos da doença no dia a dia. E falta melhorar as condições de acesso às vacinas”, relata.
Para mostrar o quanto a vacinação nas escolas pode dar certo, a médica cita o exemplo da vacinação contra o Papilomavírus humano (HPV) em escolas na Austrália. “Foi o primeiro país a eliminar as verrugas genitais devido ao programa de vacinação nas escolas. Eles estão colhendo os frutos da redução de câncer no país graças à iniciativa”, destaca.
O HPV é um vírus que causa uma infecção sexualmente transmissível (IST). Existem diversos tipos de HPV. Os tipos mais perigosos do vírus estão associados ao câncer de colo do útero. A vacina contra o HPV é aplicada gratuitamente no SUS e está recomendada para meninos e meninas de 9 a 14 anos.
Para adolescentes na Austrália, o programa de imunização nas escolas do Estado de Nova Gales do Sul, no sudeste do país, oferece de forma gratuita as vacinas contra o HPV e de difteria-tétano-coqueluche (dTpa) para alunos do 7° ano. Além destas, a vacina meningocócica ACWY, que previne contra meningites, é ofertada a alunos do 10° ano.
Por lá, o programa de vacinação nas escolas começou em 1971 e vem obtendo bons resultados. Para a vacina contra o HPV, por exemplo, a taxa de imunização em meninas de 15 anos subiu de 72% em 2012 para 80,5% em 2020, ficando próximo da cobertura de 90% recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Não importa o país e a região do globo: a vacinação nas escolas é uma estratégia de saúde pública que pode fortalecer as ações nacionais de imunização.
Por aqui, o cenário também tende a melhorar
De acordo com um artigo publicado por profissionais do Ministério da Saúde na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical no início de 2024, o Brasil já está voltando a registrar avanços nas taxas de imunização infantil.
O texto menciona que, em 2023, sete das oito vacinas recomendadas para crianças de até um ano de idade, apresentaram taxas maiores de cobertura em relação ao ano anterior. São exemplos as vacinas contra Hepatite A, pneumocócica, meningocócica e poliomielite.
Ainda de acordo com o artigo, os resultados positivos são consequência de uma nova política nacional voltada para os municípios, de campanhas de comunicação regionais e também de ações extramuros, como as realizadas em escolas. Dentre os 5.570 município do Brasil cerca de 3,9 mil já se engajaram em ações de vacinação no ambiente escolar em 2023.
Saiba mais em:
Vacina contra o HPV: a melhor forma de prevenção
Vacina contra a dengue no SUS: nova arma de prevenção
Fontes consultadas:
Fernandes, E. G., Werneck, G. L., Haddad, A. E., Maciel, E. L. N., & Lima, N. V. T.. (2024). Restoring High Vaccine Coverage in Brazil: Successes and Challenges. Revista Da Sociedade Brasileira De Medicina Tropical, 57, e00600–2024. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0614-2023.
Brasil, Presidência da República Casa Civil, Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos. LEI Nº 14.886, DE 11 DE JUNHO DE 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14886.htm
Moraes JC, Domingues CMAC, Teixeira MGLC, Franca AP, Guibu IA, Barata R, et al. Inquérito de Cobertura e Hesitação Vacinal nas Capitais Brasileiras, Distrito Federal e em 12 Municípios do Interior, em Crianças Nascidas em 2017-2018 e Residentes nas Áreas Urbanas. 2023. Relatório Técnico – Volume I. Disponível em: https://www.cealag.com.br/pubdigital/icv2023/
Cassela, Vinícius. Senado aprova criação do Programa Nacional de Vacinação em Escolas Públicas. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/05/21/senado-aprova-criacao-do-programa-nacional-de-vacinacao-em-escolas-publicas.ghtml. Atualização: 21 mai 2024
NSW Health. NSW School Vaccination Program. Disponível em: https://www.health.nsw.gov.au/immunisation/Pages/schoolvaccination.aspx#:~:text=home%20school%20students-,About%20the%20NSW%20School%20Vaccination%20Program,human%20papillomavirus%20(HPV)
National Cancer Control Indicatiors. HPV vaccination uptake. Disponível em: https://ncci.canceraustralia.gov.au/prevention/hpv-vaccination-uptake/hpv-vaccination-uptake#:~:text=In%202023%2C%2085.9%25%20of%20Australian,received%20at%20least%20one%20dose.&text=In%202022%2C%2085.3%25%20of%20Australian,received%20at%20least%20one%20dose. Publicação em: 26 jun 2024
*Todos os sites foram acessados em 03 out 2024.
Por Fernanda Lima
Esse texto é fruto de uma chamada de artigos exclusiva para participantes da 2ª edição da “Oficina de Jornalismo de Ciência e Saúde para Comunicadores Populares”, realizada em 10 de agosto de 2024 no Museu da Vida Fiocruz, Rio de Janeiro (RJ).
Data Publicação: 09/10/2024