Saiba como hortas comunitárias podem impactar positivamente a vida de moradores de áreas socialmente vulnerabilizadas
“Essa horta hoje gera impacto para os funcionários, onde eles colhem, plantam e oferecem às famílias deles. Eles não só produzem o alimento como também o adubo do próprio alimento. Passam a ver o que fazem com muito mais valor”. A declaração é de José Luiz Chaves, que trabalha em uma horta comunitária em Barros Filho, bairro da zona norte da cidade do Rio de Janeiro (RJ). A fala do engenheiro agrônomo de 63 anos mostra como a criação de espaços como esse pode envolver e ensinar moradores de áreas socialmente vulnerabilizadas a valorizarem a alimentação saudável e a produção local. A experiência também vem motivando populações de outras regiões.
José Luiz trabalha em uma empresa especializada em compostagem e resíduos orgânicos que mantém parceria com o programa Hortas Cariocas, da Prefeitura do Rio de Janeiro. A colaboração já rendeu a produção de cerca de 210 toneladas de compostos orgânicos, totalizando mais de 8,4 mil sacos de 25 Kg de adubo para fortalecer a agricultura urbana.
Como criar uma horta comunitária?
A participação social é essencial para a criação de uma horta comunitária. Mas outros elementos também são importantes, como, por exemplo, identificar um local adequado. O espaço deve, preferencialmente, ser de fácil acesso, plano e ensolarado. Outro passo é buscar parceiros como prefeituras, empresas e organizações não governamentais que possam auxiliar com o fornecimento de sementes e adubos naturais.
Um estudo de 2022 feito pela arquiteta Erika Laursen, mestra em arquitetura e urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), investigou benefícios e pontos que podem ser melhorados nas hortas comunitárias das favelas que integram o projeto Hortas Cariocas.
O estudo mostrou que o programa pode promover o desenvolvimento socioambiental no contexto urbano. Segundo a publicação, as hortas comunitárias ajudam a reduzir o impacto do aquecimento global e também contribuem para ajudar a cidade a se adaptar para enfrentar as mudanças climáticas. Tudo isso é alcançado porque a criação de hortas previne a erosão do solo, evita o descarte incorreto do lixo orgânico e mantém o solo permeável à chuva.
Outro ponto importante é o desenvolvimento econômico e social, com geração de renda e capacitação profissional de pessoas de territórios socialmente vulnerabilizados. Há também benefícios no que diz respeito à segurança e diversidade alimentar, o que ajuda a melhorar a saúde física e mental das comunidades. As hortas ainda podem ajudar a proteger nascentes, cursos d’água e áreas de interesse ambiental, além de requalificar espaços abandonados ou degradados, trazendo melhorias para a paisagem e fortalecendo o sentimento de pertencimento.
Apesar de todos esses pontos positivos, alguns aspectos ainda podem melhorar para que hortas comunitárias urbanas beneficiem ainda mais os próprios trabalhadores. A implantação de coleta seletiva de lixo nas comunidades, por exemplo, poderia aumentar a independência das hortas em relação a insumos externos a partir da compostagem. Laursen destaca no trabalho que “isso reduziria o custo de eventual compra, revertendo o valor em mais bolsas para voluntários”. Se as hortas aplicam um sistema próprio de separação de resíduos, existe a possibilidade de isso gerar ainda mais renda dentro da comunidade, facilitando a venda de plásticos, metais, papelão e outros produtos recicláveis.
Quando falamos em adubos naturais, falamos também em compostagem. Mas você sabe o que é isso? A compostagem é uma técnica que produz adubo natural a partir de restos orgânicos, como restos de frutas, verduras, borra de café, poda de plantas, entre outros. Toda essa matéria orgânica é decomposta por microrganismos e transformada em composto, um adubo natural e pode substituir o uso de produtos químicos na agricultura.
O engenheiro agrônomo José Luiz Chaves decidiu criar uma horta dentro da empresa onde trabalha para testar a eficácia de um dos produtos comercializados no cultivo de plantas, com foco no milho e na batata-doce. Os resultados foram positivos, confirmando a qualidade do composto. Agora, a produção da horta beneficia diretamente os funcionários da empresa e suas famílias, todos residentes de comunidades próximas.
Exemplo de sustentabilidade que pode ser replicado
O programa Hortas Cariocas, lançado em 2006 pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, foi criado com a finalidade de utilizar áreas sem uso em comunidades e em escolas da rede municipal. Atualmente, existem 71 hortas cadastradas no projeto, distribuídas por diversas regiões da cidade carioca, com maior presença nas zonas norte e oeste.
As Hortas Cariocas fornecem alimentos para os moradores da periferia.
– A distribuição para os moradores é mais um fator de fortalecimento dos laços dentro das comunidades. Moradores podem entrar para comprar ou receber doações. O objetivo principal do Programa Hortas Cariocas é que as hortas se emancipem e sejam capazes de garantir a renda das famílias, sem a necessidade da bolsa auxílio dada pela prefeitura, relata Laursen ao Invivo por e-mail.
Em 2020, o Hortas Cariocas entrou para a lista de ações classificadas como essenciais para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. E o programa conta ainda com um exemplo que em 2021 era considerado a maior horta urbana da América Latina e que segue sendo uma das maiores até hoje: a Horta de Manguinhos, bairro localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Esta é a maior horta do programa Hortas Cariocas e ocupa uma área equivalente a quatro campos de futebol. Segundo o portal Ciclovivo, ela produz duas toneladas de alimentos todos os meses. Este espaço teve um papel crucial durante a pandemia, distribuindo mais de 33 toneladas de alimentos para 4 mil famílias em situação de vulnerabilidade social.
Segundo a Prefeitura do Rio, os alimentos das hortas podem ser 50% doados e outros 50% vendidos abaixo do preço de mercado. Já os produtos das hortas escolares são completamente doados às escolas. Além disso, o programa também gera renda para os moradores que trabalham nas hortas. Há três tipos de modalidade de participação: hortelãos (indivíduos que cuidam das hortas), encarregados e agentes integradores.
De acordo com a Prefeitura do Rio de Janeiro, o objetivo é criar novos espaços que estão sendo construídos por todas as áreas da cidade. Até o fim de 2024, a meta é alcançar o número de 80 áreas de cultivo comunitárias.
Para Erika Laursen, as hortas comunitárias podem ser uma boa solução para espaços ociosos:
– A prática da agricultura urbana preenche um espaço que poderia ser ‘terra de ninguém’. A criação de pertencimento para com o terreno e seu entorno é uma consequência imediata. Isso traz um novo status para o lugar. O que antes era um espaço sem propósito ganha valor. Quanto vale a vista da janela de casa para uma paisagem de natureza com microclima mais ameno?
Saiba mais em:
Agenda 2030: em busca de um mundo mais sustentável
Alimentação natural e comida de verdade: como fazer escolhas nutritivas
Cinco razões que tornam as plantas fundamentais para a vida na Terra
Fontes consultadas:
Laursen, Erika. Avaliação do Programa “Hortas Cariocas” da Prefeitura do Rio de Janeiro: vetor de desenvolvimento socioambiental no contexto urbano. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, 2023. Disponível em: https://www.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/1912232_2022_completo.pdf
Oliveira, Elizabeth. Metrópoles brasileiras investem em hortas comunitárias urbanas. Projeto Colabora. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods2/metropoles-brasileiras-investem-em-hortas-comunitarias-urbanas/. Atualização: 16 abr 2024
Green São Paulo. Programas da prefeitura do Rio recebem prêmio de sustentabilidade. Disponível em: https://greensaopaulo.com.br/programas-de-sustentabilidade-da-prefeitura-do-rio-de-janeiro-sao-premiados-internacionalmente/. Publicação: 10 out 2019
Sousa, Marcia. Manguinhos (RJ) abriga maior horta comunitária da América Latina. Ciclo Vivo. Disponível em: https://ciclovivo.com.br/mao-na-massa/horta/manguinhos-maior-horta-comunitaria-america-latina/. Publicação: 14 maio 2021
CI.Orgânicos. Brasil terá o maior horta urbana do mundo até 2024. Disponível em: https://ciorganicos.com.br/noticia/brasil-tera-o-maior-horta-urbana-do-mundo-ate-2024/. Publicação: 24 ago 2022.
*Todos os sites foram acessados em 14 out 2024.
Por Fernanda Lima. Colaborou Teresa Santos
Esse texto é fruto de uma chamada de artigos exclusiva para participantes da 2ª edição da “Oficina de Jornalismo de Ciência e Saúde para Comunicadores Populares”, realizada em 10 de agosto de 2024 no Museu da Vida Fiocruz, Rio de Janeiro (RJ).
Data Publicação: 24/10/2024
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