Conheça alguns mecanismos de defesa de pererecas, salamandras e cobras-cegas que dão o que falar!
Já ouviu falar em perereca com espinhos que introduzem veneno em predadores? E em salamandras que têm costelas que atuam como lanças envenenadas? E que tal cobras-cegas que usam os dentes para introduzir toxinas em presas? Esses e outros animais, como os sapos e as rãs, fazem parte do grupo dos anfíbios. Algumas estratégias de defesa são comuns a eles, mas não estas! O que será que estas espécies têm de tão especial? São anfíbios venenosos, mas com mecanismos capazes de injetar suas secreções tóxicas!
Sapo, perereca e rã (e seus primos…!)
Para entender melhor esta história, vamos começar conhecendo quem são os anfíbios.
Os anfíbios passam parte da vida na água e parte na terra. Quando são filhotes, respiram através de órgãos chamados de brânquias e, depois, passam a respirar por pulmões e pela pele. Sua pele, aliás, é bem peculiar! É fininha e está sempre úmida. Usam fontes de calor externas para manter a temperatura do corpo.
Quando olhamos para trás, vemos que eles foram os primeiros seres vivos vertebrados (ou seja, com coluna e crânio) que conseguiram viver fora da água. Mas eles não se tornaram totalmente independentes do meio aquático. A água ainda é muito importante para os anfíbios, pois, pelo menos, na fase reprodutiva, seus ovos precisam de umidade constante.
Atualmente, existem mais de 8.000 espécies de anfíbios descritas em todo o mundo. E esses animais estão em todos os continentes, exceto na Antártida.
Os anfíbios estão divididos em três grandes grupos: a ordem Anura, que reúne sapos, rãs e pererecas, a ordem Gymnophiona ou Apoda, que abriga cecílias ou cobras-cegas, e a ordem Caudata, composta por salamandras e os tritões.
Em geral, veneno só sob ataque
A vida no mundo animal nem sempre é fácil! Às vezes, brigas podem ocorrer para garantir comida ou devido a disputas por território, parceiros, entre outras. E o que pode ser feito para se proteger?
No caso dos anfíbios, quando estão sob ataque de outro animal, glândulas localizadas na sua pele secretam substâncias tóxicas. As secreções também são usadas na defesa da pele contra infecções por bactérias e fungos. Este sistema de defesa dos anfíbios é chamado de passivo, pois, em geral, a liberação do veneno só é acionada a partir da ação do ‘inimigo’, e eles não possuem mecanismos para injetar o veneno que produzem.
Já outros animais, como as cobras, os escorpiões e as aranhas, injetam o veneno nas presas para matá-las e conseguir se alimentar. Também podem usar a estratégia como defesa. Neste caso, os animais são chamados de peçonhentos. Mas e os anfíbios venenosos? Eles também podem ser peçonhentos?
Até alguns anos atrás, os anfíbios não eram considerados peçonhentos, no entanto, esta ideia está começando a mudar… Isto porque cientistas identificaram alguns grupos particulares de anfíbios que, diferentemente dos outros membros do seu grupo, conseguem, sim, injetar toxinas como estratégia de defesa. E, agora, voltamos, então, aos exemplos lá do início!
As ‘pererecas-de-capacete’
O Dr. Carlos Jared, pesquisador do Instituto Butantan, e colaboradores da Universidade de São Paulo (USP) e dos Estados Unidos observaram duas espécies de pererecas que possuem estratégias bem inusitadas de defesa. Uma delas é a perereca da espécie Corythomantis greeningi, encontrada na Caatinga. A outra é da espécie Aparasphenodon brunoi, que vive na Mata Atlântica. Atualmente, ela passou a ser chamada de Nyctymantis brunoi.
Ambas fazem parte de um grupo de pererecas que possui a cabeça em forma de capacete. Mas o diferencial dessas duas espécies é que possuem osso na forma de espinhos na cabeça, associado a glândulas de veneno. Quando são atacadas, elas fazem um movimento de ‘sim e não’ com a cabeça e podem injetar veneno no agressor através dos espinhos.
Tem mais! A análise do veneno produzido por essas pererecas mostrou que a secreção da espécie da Caatinga é duas vezes mais letal que o veneno de cobras brasileiras (do gênero Bothrops). Ficou surpreso? Isto porque ainda não falamos da perereca da Mata Atlântica. O mesmo estudo, publicado pelo grupo de São Paulo na revista Current Biology, mostrou que o veneno da outra perereca-de-capacete é 25 vezes mais letal que o veneno de Bothrops.
Salamandras e suas ‘lanças envenenadas’
Algumas salamandras, entre elas, espécies asiáticas (gênero Tylototriton e Echinotriton) e europeias (gênero Pleurodeles), possuem também um sistema de defesa diferenciado. Elas têm glândulas na pele, localizadas na região dorsal, que ficam bem perto das pontas internas das costelas.
Quando algo ameaça esses animais, eles comprimem o corpo e as pontas das costelas são projetadas. Elas passam a funcionar como lanças envenenadas, injetando secreção tóxica no agressor.
Cobra-cega e sua mordida venenosa
Outra pesquisa do Dr. Carlos Jared, publicada na iScience, identificou que uma espécie de cecília ou cobra-cega (Siphonops annulatus), que vive na Mata Atlântica, possui glândulas junto aos dentes que também liberam secreções tóxicas. Neste caso, os animais introduzem o veneno em presas por meio da mordida.
O mecanismo é similar ao observado nas serpentes. E a descoberta é especialmente importante porque mostra um anfíbio que usa uma estratégia de injeção de veneno para atacar, e não mais apenas na defesa.
Mas esses animais também possuem as glândulas de veneno na pele que são usadas para se defender, tal como os outros anfíbios.
Como as cobras-cegas são mais antigas do que as serpentes, é possível que tenham sido as primeiras a apresentarem glândulas dentárias injetoras de veneno. Acredita-se que as cobras-cegas tenham surgido há cerca de 250 milhões de anos, enquanto as serpentes surgiram 150 milhões de anos atrás.
Fontes consultadas
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Instituto Butantan. As semelhanças e diferenças entre cecílias e serpentes: uma descoberta de pesquisadores do Butantan que mudou a forma como a ciência vê os anfíbios. Disponível em: https://butantan.gov.br/butantan-educa/as-semelhancas-e-diferencas-entre-cecilias-e-serpentes-uma-descoberta-de-pesquisadores-do-butantan-que-mudou-a-forma-como-a-ciencia-ve-os-anfibios. Publicado: 01 out. 2021. Acesso: 26 set. 2022
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Por Teresa Santos