Fig 1. A mineração ilegal está associada a vários problemas, entre eles, desmatamento, queimadas, degradação dos rios, contaminação por mercúrio e morte do sistema aquático. A imagem registra o impacto na Floresta Amazônica perto da terra indígena Menkragnoti, no Pará. Crédito: Marcio Isensee e Sa/iStock

 

Usado na extração de ouro, mercúrio ameaça o ambiente e os seres vivos

Já reparou no que tem dentro do termômetro que a gente usa para checar se alguém está com febre? Em geral, é mercúrio, um metal que, em temperatura ambiente, é líquido. Embora seja um componente da Terra que está presente na natureza em baixas concentrações, quando ele surge em quantidades excessivas pode contaminar o ambiente e os seres vivos. Infelizmente esse problema é uma realidade, principalmente em terras indígenas onde há garimpo ilegal. Quer descobrir como o mercúrio chega aos organismos e o que ele pode causar? Então, continua aqui com a gente!

 

Fig 2. O mercúrio é usado em termômetros porque ele se expande com o aumento da temperatura. Assim, quanto mais alta a temperatura corporal, maior sua expansão. Crédito: Alexa-photo/iStock

 

O uso do mercúrio na extração de minérios é possível quando autorizado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Entretanto, a Constituição Federal não permite a atividade do garimpo em terras indígenas e em unidades de conservação ambiental, independente do uso (ou não) de mercúrio.

Apesar da proibição, o que observamos na prática é preocupante. Segundo um estudo de 2019 do Dr. Paulo Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e equipe, o mercúrio estava presente no organismo de 56% das mulheres e crianças Yanomami da região de Maturacá (AM). Os níveis estavam acima do limite tolerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Percorrendo o caminho do mercúrio: bioacumulação e biomagnificação

Os altos níveis de mercúrio encontrados nas populações indígenas são fruto do consumo de pescado contaminado. “Qualquer organismo que viva no rio, em uma região próxima à área de garimpo, vai estar contaminado com mercúrio. E, quando as pessoas comem esse pescado contaminado, elas se contaminam com uma forma orgânica do mercúrio, que é formada no fundo do rio (metilmercúrio)”, explica ao Invivo a Dra. Ana Claudia Santiago de Vasconcellos, pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

Essa forma orgânica do mercúrio é absorvida pelo trato gastrointestinal, cai na corrente sanguínea e tende a se acumular em tecidos, processo conhecido como bioacumulação. A quantidade de toxina acumulada vai aumentando ao longo da cadeia alimentar. Organismos que estão mais próximos da base da cadeia alimentar, isto é, que se alimentam de plantas (produtores de energia) têm níveis de contaminante menor do que os grandes predadores. Esse processo recebe o nome de biomagnificação. “Se analisarmos os peixes, os carnívoros têm uma concentração maior de metilmercúrio no seu corpo do que os herbívoros por conta desse fenômeno da biomagnificação”, explicou a Dra. Ana Claudia, que coordena estudos sobre saúde indígena juntamente com o Dr. Paulo Basta.

Confira como ocorre a bioacumulação e a biomagnificação no esquema abaixo!

 

Fig 3. No processo de bioacumulação, o contaminante (vermelho) vai sendo acumulado no corpo do ser vivo ao longo do tempo. Já na biomagnificação, a concentração de contaminante vai aumento ao longo da cadeia alimentar. As plantas, que são produtoras de energia, têm menor concentração de contaminante do que os organismos que as comem (gafanhotos). Os gafanhotos, por sua vez, são o alimento de pássaros menores. Estes pássaros menores têm mais contaminante do que os gafanhotos, porém menos do que seus predadores (pássaros maiores). Crédito: VectorMine/iStock (adaptado por Invivo)

E não é só isso! Existe ainda outra forma de contaminação por mercúrio associada ao seu uso na mineração. As pessoas que trabalham diretamente no garimpo também são afetadas. Elas se contaminam a partir da inalação dos vapores de mercúrio metálico quando manipulam o produto durante o processo de extração de minérios.

 

Fig 4. Na busca pelo ouro, garimpeiros misturam sedimentos à água e ao mercúrio metálico. Este último cria uma liga metálica com o ouro (amálgama). O garimpeiro queima a liga com um maçarico, o que faz o mercúrio passar para o estado gasoso. Ao final, resta apenas o ouro. Crédito: ChrisEllis85/iStock

 

Contaminação está associada a danos neurológicos e outros problemas

A contaminação por mercúrio pode causar diferentes problemas. A forma orgânica desse metal tem um alvo particular no organismo: o sistema nervoso central. Ou seja, a toxina que entrou no corpo a partir do consumo de pescado contaminado vai se acumulando no cérebro do ser humano, onde provoca lesões.

No ser humano adulto, as lesões cerebrais podem levar à perda de coordenação motora, a problemas de visão e alterações de audição, por exemplo.

Mas se a pessoa contaminada for uma mulher grávida, os danos podem ser ainda mais graves, com lesões tanto no cérebro da mãe quanto no do bebê. “Como o cérebro do feto ainda está em formação, ele é muito mais sensível ao efeito do metilmercúrio do que o cérebro do adulto. Então, as lesões em crianças costumam ser numerosas e mais graves. E afetam principalmente a parte cognitiva”, explica a pesquisadora da EPSJV/Fiocruz. Vale lembrar que cognição é justamente a capacidade que temos de processar informações a partir dos estímulos que recebemos. Ou seja, danos que ocorrem nessa área muito cedo, isto é, durante o período pré-natal ou nos cinco primeiros anos, podem levar à diminuição do desempenho intelectual ao longo da vida.

E o mercúrio metálico que é inalado pelos garimpeiros? Segundo a Dra. Ana Claudia, apesar de também afetar a parte neurológica, em geral, causa ainda problemas sérios nos rins, pois tende a se acumular nesses órgãos. “É muito comum o garimpeiro ter insuficiência renal”, lembrou a pesquisadora.

O grupo segue avaliando a contaminação por mercúrio nos povos indígenas. De acordo com a Dra. Ana Claudia, tudo leva a crer que a situação atualmente está pior do que em 2019, uma vez que o último período foi marcado por uma intensa atividade garimpeira em terras indígenas. “Embora, no momento, o contexto esteja melhor, o mercúrio permanece no ambiente por muitos anos. Se a atividade garimpeira fosse totalmente interrompida hoje, o ambiente permaneceria contaminado por, pelo menos, cem anos”, destacou.

 

Fig 5. A análise dos níveis de contaminação por mercúrio é feita a partir da coleta de fios de cabelo. A OMS estabelece como limite tolerável 2 microgramas de mercúrio por grama de cabelo. Crédito: Marco Anghinoni/iStock

 

Quer saber mais sobre os impactos do mercúrio nos povos indígenas? Veja a animação ‘Amazônia Sem Garimpo’, disponível na plataforma de filmes VideoSaúde. O curta é um dos resultados do projeto de pesquisa sobre a saúde indígena coordenado pelo Dr. Paulo Basta e pela Dra. Ana Claudia. Ele está disponível também com narração em munduruku e português.

 

 

Fontes consultadas:

Leonel F. Contaminação por mercúrio se alastra na população Yanomami. Informe ENSP Fiocruz. https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/46979 Publicação: 16 ago 2019. Acesso: 27 mar 2023

Alves B. Os riscos à saúde causados pelo uso de mercúrio no garimpo. BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c7246ee619qo. Publicação: 8 fev 2023. Acesso: 27 mar 2023

Ambiente Brasil. Efeitos do Mercúrio. https://ambientes.ambientebrasil.com.br/residuos/pilhas_e_baterias/efeitos_do_mercurio.html#:~:text=O%20merc%C3%BArio%2C%20apesar%20de%20ser,plantas%2C%20animais%20e%20tecidos%20humanos. Acesso: 27 mar 2023

 

Por Teresa Santos

 

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Data Publicação: 19/04/2023