Figura 1. Um jovem gafanhoto cor-de-rosa, visto na índia. O inseto ainda não é um adulto, pois as asas não se desenvolveram ainda. Crédito: Shyamal/Wikimedia.

O que o filme da Barbie, a campanha contra o câncer de mama e um gafanhoto britânico têm em comum?

Essa é uma história que não acontece todos os dias. Mas aconteceu em julho de 2023, o mesmo mês do lançamento do filme Barbie. Gary Phillips, um fotógrafo amador, cuidava de seu jardim quando notou algo cor-de-rosa se movendo entre as folhas. Gary rastejou pelo jardim seguindo o ponto rosa que saltava pelo quintal. Era a primeira vez que via um gafanhoto daquela cor.

Com sua câmera, Gary fotografou o inseto. As fotos viraram notícia em jornais de diversos países. Afinal, existem mesmo gafanhotos cor-de-rosa? Por que não os vemos por aí?

Sim, gafanhotos cor-de-rosa existem. Gary encontrou um em sua casa no País de Gales, no continente europeu. Apesar de raros, insetos semelhantes já foram vistos em outros países do mundo, inclusive no Brasil. Mais curioso ainda, a cor rosada pode aparecer também em outros animais, aves e mamíferos. Mas, afinal, por que eles têm essa cor?

 

Figura 2. Você já viu um Periquitão rosa? O pesquisador Aloysio Moura viu este em 2022, na região de Lavras (MG). A ilustração do artista Victor Silvestre mostra duas aves da mesma espécie (Psittacara leucophthalmus), um deles com eritrismo. Crédito: cortesia de Victor Silvestre.

De onde vem a cor rosada?

O gafanhoto que Gary viu é um exemplo de eritrismo, um fenômeno que leva ao surgimento de tons rosados nos pelos, penas, escamas ou outras partes do corpo de um animal (a palavra “eritro” significa “vermelho” em grego).

Em geral, a cor dos animais está relacionada a pigmentos presentes em seu corpo, como os diferentes tipos de melaninas. No corpo humano, as melaninas são responsáveis pelos diferentes tons de pele, olhos e cabelos.

O eritrismo pode ser causado por um excesso de pigmento vermelho ou pela falta de pigmentos de outras cores. A produção de pigmentos é regulada pelos genes de cada indivíduo. Em outras palavras, o eritrismo é uma condição genética, que pode ser transmitida dos pais para os seus descendentes.

 

Figura 3. Bicho-folha (também conhecido como esperança). Como o nome diz, em geral esses insetos são verdes. Crédito: Richard White/Flickr.

 

Além do eritrismo, existem outros fenômenos genéticos que modificam a cor dos animais. Os mais conhecidos são o albinismo e o melanismo, causados, respectivamente, pela falta de melanina e por grandes quantidades desse pigmento.

Figura 4. Dois exemplos de animais com pigmentação diferente: uma zebra albina e um pinguim (ao centro) com melanismo. Crédito: Stepshep/Wikimedia e Gerald Corsi/iStock.

Por que tão raros?

Você já viu um gafanhoto? Provavelmente sim. E um gafanhoto rosa? Bem, se você viu um, conta para a gente como foi!

Animais com pigmentação diferente do comum em geral são raros na natureza. O albinismo, por exemplo, é uma condição recessiva. Ou seja, um filhote albino tem duas cópias do gene que determina o albinismo, uma vinda do pai e outra, da mãe. Os pais da zebra mostrada na foto acima têm pigmentação normal, pois possuem apenas uma cópia do gene para o albinismo.

Alguns estudos mostram que o eritrismo é dominante em gafanhotos (ou seja, um gafanhoto com apenas uma cópia do gene para eritrismo já seria rosa). Mesmo assim, é uma condição muito rara. Por que será? Observe a foto a seguir. Qual inseto você viu primeiro?

Figura 5. Jovens gafanhotos. Ian Worsleyhttps/naturalbornblogger.co.uk

 

Provavelmente, o gafanhoto rosa chamou sua atenção primeiro. Afinal, essa cor se destaca na folhagem. Assim como você, as aves e os outros predadores encontram os gafanhotos rosa com mais facilidade. E, por isso, é mais difícil para eles sobreviverem, se reproduzirem e passarem o gene do eritrismo adiante.

Mas se o mundo fosse cor-de-rosa – e as plantas também – talvez os gafanhotos dessa cor fossem maioria. Em resumo, a mesma característica pode ser vantajosa ou desvantajosa, dependendo do ambiente em que o bicho está. Na Indonésia, junto a delicados corais rosados, vivem pequenos cavalos-marinhos…. adivinha de qual cor?

Figura 6. Ilustração de um jardim com plantas cor-de-rosa, feita pelo software de inteligência artificial Midjouney.

 

Em um jardim assim, os gafanhotos cor-de-rosa estariam mais protegidos de seus predadores. Essa imagem não existe na realidade, ela foi criada por um programa de Inteligência Artificial Midjourney.

Figura 7. Uau! Dois animais cor-de-roas. Você consegue encontrar o cavalo-marinho entre os corais? Crédito: Klaus Stiefel/Flick

 

Animais albinos também têm menos chance de sobreviver na natureza. Além de serem facilmente notados, a falta de melanina deixa esses animais muito vulneráveis a queimaduras causadas pela radiação do Sol.

Já o melanismo pode ser vantajoso em alguns ambientes. Uma onça negra se camufla bem em ambientes sombreados, como uma floresta densa, mas provavelmente está em desvantagem em um campo aberto, como o Cerrado.

 

Outros animais cor-de-rosa

Nem sempre a cor rosada é um fenômeno genético. Flamingos e outras aves tornam-se rosados porque comem camarões e algas ricos em pigmentos dessa cor. O mesmo acontece com canários brancos quando são alimentados com certas rações.

Figura 8. Flamingos adquirem a cor rosada dos pigmentos que ingerem com seu alimento. Crédito: cuatrok77/Flickr

 

A cor do famoso boto-vermelho, também conhecido como boto-cor-de-rosa, tem outra explicação. Os botos nascem cinzentos e, à medida que crescem, vão se tornando mais claros. A cor rosa aparece em áreas com cicatrizes e desgastes na pele.

Figura 9. O boto-vermelho vive em rios da região Amazônica. Crédito: Jeso Carneiro/Flickr

 

Por fim, os animais cor-de-rosa também fazem parte do mundo dos desenhos animados há pelo menos 80 anos. Dá uma olhada nos personagens a seguir, conhece algum deles?

         

Figura 10. Da esquerda para direita: Pantera-Cor-de-Rosa; Coragem, o Cão Covarde; Lotso, o urso rosa de Toy Story, e Peppa Pig e sua família. Crédito: DePatie-Freleng Enterprises/Wikipédia, Fred Seibert/Flickr, adaptado Invivo, Josh Hallett/Flickr e Nenad Stojkovic/Flickr.

 

Fontes consultadas:

Cotts L, Slifkin JP, Moratelli R, Gonçalves L, Rocha-Barbosa O (2023) Multiple colors in anteaters: review and description of chromatic disorders in Tamandua (Xenarthra: Pilosa) with reports of new and rare coat colorations. Zoologia (Curitiba) 40: e22034.https://doi.org/10.1590/S1984-4689.v40.e22034

Jablonski D, Trapp B, Tzoras E, Mebert K (2022) Erythrism in the Eastern Grass Snake, Natrix natrix (Linnaeus, 1758). Herpetozoa 35: 213-217. https://doi.org/10.3897/herpetozoa.35.e90928

Bruno Vaiano. Por que o boto cor-de-rosa é rosa? Superinteressante. Disponível em: <https://super.abril.com.br/coluna/oraculo/por-que-o-boto-cor-de-rosa-e-rosa>

BBC News. Amateur photographer snaps pink grasshopper in Lincoln. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/uk-england-lincolnshire-66223183>

João V. Paulin et al. Melanina: um pigmento natural multifuncional. Disponível em: <https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/2107/2107.12481.pdf>

Moura, A.S., Machado, F.S., Silveira, G.D., Silva, V.S. & Fontes, M.A.L. (2022). O eritrismo em aves acentua no decorrer do tempo? Um caso em Psittacara leucophitalmus (Psittaciformes: Psittacidade). Regnellea Scientia, 8(4): 183-191. Disponível em: < https://www.researchgate.net/publication/369378183_O_ERITRISMO_EM_AVES_ACENTUA_NO_DECORRER_DO_TEMPO_UM_CASO_EM_Psittaca_leucophthalmus_PSITTACIFORMES_PSITTACIDAE>

Todos os sites foram consultados em 30 de outubro de 2023.

Por Tereza Costa

Data Publicação: 10/11/2023