Oswaldo Gonçalves Cruz, cientista e médico brasileiro – 1903. Créditos: Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz

 

Nos 150 anos de Oswaldo Cruz, conheça algumas histórias do “médico do Brasil” e seu legado para a ciência brasileira

“Oswaldo Cruz, a fundação é você, parabéns ao centenário, muito fez por merecer”. Com este refrão, a escola de samba Em Cima da Hora empolgou o desfile da série A no Rio de Janeiro, no ano 2000. Interpretado por Tiãozinho Cruz, o samba-enredo ‘Oswaldo Cruz, a saga de um herói brasileiro’ comemorava o centenário da fundação que leva o nome do médico-sanitarista. Agora, para celebrar os 150 anos de nascimento de Oswaldo Cruz, elencamos aqui alguns aspectos de sua breve, mas intensa vida.

 

Como tudo começou

Em agosto de 1872, mais precisamente no dia 5, nasceu Oswaldo Cruz, que, mais tarde, se tornaria conhecido pelo título de “médico do Brasil”.

Nascido no interior de São Paulo, na cidade de São Luiz do Paraitinga, e formado no Rio de Janeiro, o jovem médico foi para Paris e se especializou em Microbiologia no Instituto Pasteur. Em 1899, já de volta ao país, veio o convite para participar de uma comissão médica junto de Vital Brazil e Adolfo Lutz. O objetivo era confirmar a chegada da peste bubônica no Brasil pelo porto de Santos.

A partir desta descoberta, foi necessário criar um instituto para a produção de soro antipestoso na capital do país – na época, a cidade do Rio de Janeiro. E lá foi Oswaldo Cruz, desta vez, a convite do barão de Pedro Afonso, atuar como diretor técnico na nova instituição. Dois anos depois, com a saída do barão, Oswaldo assume como diretor geral.

O local se resumia a uma fazenda em frente ao mar – a baía de Guanabara, em Manguinhos – com casinhas muito simples. Ali foi inaugurado o Instituto Soroterápico Federal em 1900, com muito sucesso. Em pouquíssimo tempo, alguns meses depois, a instituição já produzia soro e vacinas.

 

Uma missão na mão e muitas ideias na cabeça

Tomada aérea da fachada e terraço do Castelo. Créditos: Leonardo Oliveira

 

Oswaldo Cruz, desde cedo, já mirava longe e ia adiante. Com o sucesso do trabalho que desempenhou no Instituto Soroterápico, de fabricação de soros, vacinas e medicamentos, foi convidado a ocupar um novo cargo de Diretor Geral de Saúde Pública, se tornando conhecido no mundo pelas campanhas sanitárias que fez para combater epidemias, como as de peste bubônica, varíola e febre amarela no Rio de Janeiro. Eram tantos os casos de mortes que a cidade tinha o apelido de “túmulo dos estrangeiros”.

Tinha, de fato, uma personalidade curiosa e atenta a todas as oportunidades. Ao longo de sua vida, soube divulgar o seu trabalho, bem como, de sua equipe. Em 1907, o Instituto recebeu o primeiro prêmio na Exposição de Higiene e Demografia de Berlim devido ao trabalho científico e à coleção de peças de anatomia patológica. Um ano depois, em 1908, se transformava em Instituto de Patologia Experimental, rebatizado Instituto Oswaldo Cruz.

 

A Revolta da Vacina

Figura 1: Charge de Oswaldo Cruz. Créditos: Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Oswaldo Cruz estava convencido de que a vacina contra a varíola era essencial para combater a doença. Porém, a vacinação obrigatória não foi bem aceita pela população, que já estava abalada pela reforma urbana implementada pelo prefeito Pereira Passos. Conhecida como “bota abaixo”, essa reforma seguia abrindo avenidas e derrubando cortiços. Muitas pessoas desalojadas ocuparam o morro da Providência, próximo à região da estação Central do Brasil e da Pequena África. A região era habitada por ex-escravizados, principalmente na zona portuária, onde se localizam os bairros da Saúde e Gamboa. No início de novembro de 1904, a população descontente tomou as ruas do Rio de Janeiro para protestar: era a Revolta da Vacina.

Não foi nada fácil para Oswaldo, afinal, eram muitas etapas a serem vencidas, dificuldades locais e políticas. Enfrentou muitas críticas, mas não desistiu.

O entendimento da população sobre ciência já era uma batalha, agravada pela dificuldade de comunicação: não havia rádio nem televisão, e a maioria da população era analfabeta. Aliás, naquela época, os jornais faziam várias charges de chacota e zombaria com a figura do cientista Oswaldo Cruz. E você sabe como ele reagia? Montou uma coleção de charges em uma espécie de diário, que hoje faz parte do acervo arquivístico da Casa de Oswaldo Cruz, unidade da Fiocruz.

 

O Castelo Mourisco

Em um pedaço de papel, Oswaldo fez um rascunho de um palácio dedicado à ciência. O estilo arquitetônico tinha que ser bonito, segundo o cientista. Contratou um engenheiro-arquiteto português, Luiz Moraes Junior, que faria um conjunto de prédios e, entre eles, um principal, um castelo na colina, no lugar mais alto do terreno, para que fosse visto à distância por quem passasse de navio chegando ao porto do Rio de Janeiro. Funcionou. Até hoje, as pessoas aparecem para conhecer o Castelo Mourisco de perto.

O trabalho cresceu. Um campus, uma ilha verde no meio do cinza, muitas unidades pelo Brasil todo, e tantas expectativas quanto soluções para problemas relacionados à saúde.

 

Figura 1: croqui / desenho do Castelo Mourisco, fornecido por Oswaldo Cruz. Figura 2: planta baixa do Castelo Mourisco. Créditos: Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Revelando Oswaldo Cruz, o doutor fotógrafo

Laboratório de revelação fotográfica em Manguinhos. Créditos: Acervo Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz.

 

Oswaldo Cruz tinha interesse pelo universo da fotografia, um dos seus passatempos prediletos. Quando foi estudar em Paris, incluiu um curso para esta finalidade, que, na verdade, foi uma paixão. O apelido “Dr. Fotógrafo” foi dado por um grupo de estudantes após terem notado que ele sempre usava uma pasta preta de couro parecida com a que era usada para os equipamentos fotográficos da época. Na casinha da fazenda já havia local destinado a um laboratório fotográfico. Quando pensou no Castelo, não titubeou: pediu que se incluísse na planta uma área para dar continuidade a esta arte da revelação.

As diversas expedições do Instituto para o interior do Brasil promoveram vários registros de histórias ainda desconhecidas, por meio de retratos de lugares, pessoas, famílias, além de muitas cenas do dia a dia das equipes. Este trabalho revelava diferentes realidades do país, das lidas e ofícios dos pesquisadores de Manguinhos, criando também um imaginário e uma memória sobre a função social da ciência e dos cientistas. Com a finalidade de estruturar uma cultura de caráter nacional, Oswaldo Cruz absorvia todo o conhecimento que lhe passava aos olhos e o reinventava. Ou melhor, adaptava para a realidade do país. Pensava nas endemias, nas questões econômicas, sociais e determinantes da saúde.

Oswaldo foi, por assim dizer, um pioneiro na percepção do poder das imagens. Segundo o historiador Eduardo Thielen, autor da dissertação ‘Imagens da Saúde no Brasil – A fotografia na institucionalização da saúde pública’, J. Pinto, fotógrafo oficial de Oswaldo Cruz, teria sido possivelmente o autor do primeiro filme científico feito no Brasil: ‘Chagas em Lassance’, com 9 minutos de duração sobre a descoberta da doença de Chagas em 1909.

 

Um homem de família

Figura 3: Oswaldo Cruz e esposa. Créditos: Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Fechando a lente no homem podemos fazer várias hipóteses. O homem visionário, aventureiro, mas também carinhoso no papel de marido e pai de 5 filhos. Muitas cartas e bilhetes deixados revelam esta personalidade. Estava sempre preocupado com os estudos dos filhos. Quando se referia à sua esposa, se utilizava do diminutivo. De Emília à Miloquinha. Apesar da saudade da mulher e da família, curtia e se deslumbrava com as modernidades com que se deparava durante as viagens que fazia, relatadas em cartas com detalhes.

Certa vez, quando fez uma viagem para Nova York em 1907, descreveu para a esposa tudo que chamava sua atenção: bondes elétricos, trem subterrâneo, arranha-céus e elevadores. Um elevador não poderia faltar no Castelo Mourisco, e é hoje o mais antigo em funcionamento do Rio de Janeiro.

 

Figuras 4 e 5: carta escrita por Oswaldo Cruz aos filhos. Créditos: Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

150 anos de Oswaldo Cruz: legado

Fotografia com tomada aérea do campus de Manguinhos da Fiocruz. Créditos: Arquivo/Fiocruz

 

Para compor o templo da ciência e deixar o seu legado, Oswaldo determinou que se fizesse uma biblioteca (onde sempre havia uma roda de conversa e estudos, conhecida como Mesa das Quartas-feiras), além de uma tipografia para a encadernação de artigos científicos que produziam e publicavam no periódico, ainda em curso, ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’.

Oswaldo ainda pensou em um “museu”, que ocupou um grande salão, destinado a abrigar a coleção de peças de anatomia patológica para a pesquisa de doenças. Tinha até uma oficina de fabricação da vidraria utilizada nos laboratórios, técnica que aprendeu em Paris e trouxe também para Manguinhos. Nos seus planos, havia ainda a ideia e concretização de um hospital destinado à pesquisa e tratamento de doenças infecciosas, hoje Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz).

Foram muitos feitos em pouco tempo de vida. Oswaldo Cruz faleceu aos 44 anos, em 1917. Ele deixou algumas frases emblemáticas: “Saber, esperar, poder, querer”; “Fé eterna na ciência” e “Não esmorecer para não desmerecer”. Sim, Oswaldo tinha fé e muita resistência, e deixou sua marca no trabalho da Fundação Oswaldo Cruz, onde se entende que o direito à vida é de todos e que a vida deve ser pulsante.

Parabéns pra você, onde você estiver.

 

Fontes consultadas:

Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz. Disponível em http://oswaldocruz.fiocruz.br/index.php. Acessado em 09/08/2022.

Oswaldo Inspira. Instituto Oswaldo Cruz. Disponível em https://www.ioc.fiocruz.br/oswaldoinspira/. Acessado em 09/08/2022.

Cronologia de J. Pinto. Brasiliana Fotográfica. Disponível em https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=20965. Acessado em 09/08/2022.

 

Por Claudia Oliveira

Data Publicação: 26/08/2022