Febre amarela, zika, dengue, chikungunya são doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti que estão presentes em músicas de carnaval há vários anos. Crédito: luizsouzarj/iStock

 

Conheça algumas marchinhas e sambas-enredo que usam saúde, ciência e tecnologia para empolgar os foliões

O que carnaval tem a ver com ciência? Os temas podem até parecer distantes, mas o fato é que ciência dá samba – e samba da melhor qualidade! Esse diálogo vem de longa data... No início do século 20, muitos foliões já se divertiam pelas ruas do país cantando músicas que falavam de doenças, vacinas e outros temas de saúde. Descobertas científicas, inovações tecnológicas, corpos celestes e a história de grandes cientistas também deram (e ainda dão!) o tom a vários desfiles de escolas de samba, bailes e blocos de carnaval. Prepare a serpentina, a purpurina e siga com a gente para conhecer alguns exemplos de marchinhas e sambas-enredo cheios de ciência e nota 10 no quesito ‘animação’! 

 

Marchinhas no início do século passado: ‘Rato, rato’ (1904) 

O carnaval de rua já levava milhares de pessoas às ruas do Rio de Janeiro no início do século 20. Foi em um deles que ‘Rato, rato’ empolgou os foliões. Crédito: Instituto Moreira Salles/Picryl

 

No início do século 20, doenças como a peste bubônica, a varíola e a febre amarela eram um problema no Rio de Janeiro. Para combater as epidemias, foram instituídas campanhas sanitárias que pregavam várias medidas, entre elas, a eliminação dos ratos. Embora não fossem a causa da doença, os ratos eram hospedeiros de pulgas que transmitiam a bactéria causadora, a Yersinia pestis.  

Como forma de incentivar a participação da população nessa empreitada, a Diretoria Geral de Saúde Pública do Rio de Janeiro passou a comprar ratos mortos. E sabem onde toda essa história foi parar? Em versos que empolgaram muitos foliões no carnaval de 1904, sempre ao som das marchinhas! 

Confira abaixo a composição de Casemiro da Rocha e Claudino Costa:

Rato, rato, rato
Por que motivo tu roeste meu baú?
Rato, rato, rato,
Audacioso e malfazejo gabiru. 

Rato, rato, rato,
Eu hei de ver ainda o teu dia final
A ratoeira te persiga e consiga
Satisfazer meu ideal. 

Quem te inventou?
Foi o diabo, não foi outro, podes crer
Quem te gerou?
Foi uma sogra pouco antes de morrer! 

 […} 

Quando a ratoeira te pegar,
Monstro covarde, não me venhas,
A gritar, por favor.
Rato velho, descarado, roedor 
Rato velho, como tu faz horror! 

Nada valerá o teu cui cui
Tu morrerás e não terá quem chore por ti
Vou provar-te que sou mau,
Meu tostão é garantido,
Não te solto nem a pau… 

 

 

 Veja outras canções do início do século 20 clicando aqui.

 

‘Brasil, ciências e artes’ (1947) 

 

E a ciência chegou também à avenida nos grandiosos desfiles das escolas de samba. Uma das primeiras escolas a trazer o tema para a apoteose foi a Estação Primeira de Mangueira em seu desfile no Rio de Janeiro. Em 1947, com o samba-enredo ‘Brasil, ciências e artes’, de Carlos Cachaça e Cartola, a escola conquistou o segundo lugar no carnaval. Um dos homenageados na música é o físico César Lattes (1924-2005), um dos cientistas que identificou a partícula atômica méson pi. Esta descoberta foi muito importante, pois deu início a estudos que ajudaram a entender melhor o mundo dos átomos, isto é, o elemento conhecido como unidade básica da matéria. 

Veja abaixo a letra e ouça a música: 

Tu és meu Brasil
Em toda parte
Quer nas ciências ou na arte
Portentoso e altaneiro 

Os homens que escreveram
Tua história
Conquistaram tuas glórias
Epopeias triunfais
E quero neste pobre enredo 

Revivê-los glorificando 

Os nomes teus
Levá-los ao panteão
Dos grandes imortais
Pois merecem muito mais
Não querendo levá-los ao cume da altura 

Cientistas tu tens e tens cultura
E nestes rudes poemas
Destes pobres vates
Há sóbrios como Pedro Américo
E César Lattes 

 

‘Oswaldo Cruz, a saga de um herói brasileiro’ (2000) 

 

E tem mais cientista no samba! Em 2000, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) comemorou cem anos de existência. Naquele momento, seu fundador, o médico-sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), foi homenageado pela escola de samba Em Cima da Hora em um desfile pela série A do Rio de Janeiro.  

Veja abaixo a composição de Marcos, Julio Cesar, Antonio da Primavera e Sérgio, e ouça a música que conta a história do cientista brasileiro, interpretada por Tiãozinho Cruz:  

De São Luiz do Piratininga
A saga de um herói vamos contar
Grande gênio da ciência
Trouxe a experiência da Cidade-Luz
No Brasil está vivo na memória
Pois epidemias combateu
Saneando a cidade, o meu Rio tropical
Foi espelho de Paris
Botar abaixo o antigo
Construindo um ideal
E assim remodelando a capital 

Com seus feitos, muitas vidas preservou
Foram ideias geniais e amor
Diretor pela saúde se tornou 
Nos anais da nossa história o seu nome consagrou (bis) 

Mas nem tudo eram flores
E houve dissabores
Com a vacinação
E aí a imprensa com humor, malhou, malhou
Em meio a tanta dor 
Lá no Pará, terra de Tapajós e Apiacás
Com muita força e fé, livrou do mal
Operários da Madeira-Mamoré 
Pesquisador, tornou-se imortal
Prefeito da Cidade Imperial 

Oswaldo Cruz, a fundação é você
Parabéns ao centenário
Muito fez por merecer (bis) 

 

‘Vou te passar a Zika!’ (2016) 

Em 2015 e 2016, o Brasil viveu uma epidemia de zika, doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. No carnaval de 2016, a doença foi tema de algumas marchinhas, entre elas, a composição ‘Vou te passar a Zika!’, de Carlos Fernando Cunha.  Veja e ouça abaixo a canção, que deu ao autor o prêmio de melhor intérprete no 6° Concurso de Marchinhas de Juiz de Fora (MG): 

Neste carnaval vou te passar a Zika, a Zika, a Zika!
Neste carnaval vou te passar a Zika, a Zika, a Zika! 

Mesmo dengoso você não se apaixonou
Me repeliu, meu amor por ti secou
Vou me vingar, te esculachar, seu pulha!
Você merece que eu te passe a Chikungunya! 

Neste carnaval vou te passar a Zika, a Zika, a Zika!
Neste carnaval vou te passar a Zika, a Zika, a Zika! 

Peguei carona no jato particular
Eu te piquei no Rio, em Brasília, em BH
Vou me vingar, te esculachar, seu pulha!
Você merece mais que a Zika e a Chikungunya 

 

Discípulos de Oswaldo (2023)

 

Chegamos a 2023…. E a ciência continua sendo pauta de muitas canções carnavalescas. Este ano, o bloco Discípulos de Oswaldo, formado por trabalhadores da Fiocruz, entoa ‘Xô Covid’ e exalta a vacinação! 

Veja a letra e ouça abaixo a composição de Barata, Tadeu, Dé, Pessanha, Júlio Lucena e Cristiano Pescador: 

Um legado de amor
Que Oswaldo nos deixou
Hoje vamos contemplar
Começou com IOC
A ciência fez vencer
Precisamos vacinar 

 BIS 

E por amor a nação
Se liga nessa, povão
Com fake news é que tu vira jacaré
Se o genocida falou
Você que acreditou
Ficou doente com cara de Zé Mané
Assim o castelo me seduz
E por amor a Fiocruz
A minha vida hoje eu quero entregar
Com amor e esperança
Vacinando as crianças para o mundo melhorar 

 BIS 

Xô Covid ver se pega a visão
Toma a vacina irmão
Que é pra vida melhorar
Se você tem amor a vida
E a vida alheia, só não fique de bobeira
Vai no posto vacinar.

 

 

Referências: 

Moreira Ide, Massarani L. (en)canto Científico: Temas de Ciência em Letras da Música popular brasileira. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. 2006;13(suppl):291-307. doi:10.1590/s0104-59702006000500018. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702006000500018  

Nascimento, LM e Silva, FB. De protestos e levantes: as Revoltas da Vacina e da Chibata na música popular*. Revista Recorte – Revista eletrônica da Universidade Vale do Rio Verde. v.9, n.2 (2012). Disponível em: http://periodicos.unincor.br/index.php/recorte/article/view/620  

Silva, MAD. “O baile dos ratos”: a construção sociotécnica da peste bubônica no Rio de Janeiro (1897-1906). 153 f. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-17112015-125157/pt-br.php  

Biblioteca virtual Oswaldo Cruz. Músicas. Disponível em: https://oswaldocruz.fiocruz.br/musicas/. Acesso: 06 fev. 2023 

Portela, G. Na cadência do samba e do carnaval, Fiocruz e saúde são destaques. ICICT Fiocruz. Disponível em: https://www.icict.fiocruz.br/content/na-cad%C3%AAncia-do-samba-e-do-carnaval-fiocruz-e-sa%C3%BAde-s%C3%A3o-destaques. Publicado: 11 fev. 2015. Acesso: 06 fev. 2023 

Brasiliana/Fiocruz. Brasil, ciência e arte. Núcleo de Estudos da Divulgação Científica. Disponível em: http://www.fiocruz.br/brasiliana/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=123&sid=20&tpl=printerview Publicado: 01 jan. 1947. Acesso: 06 fev. 2023  

Brasiliana/Fiocruz. As doenças do Rio de Janeiro no início do século XX e a Revolta da Vacina em 1904. Disponível em: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=19095. Publicado: 5 abr 2020. Acesso: 07 fev 2023  

Jequitibá do Samba. Carnaval de 1947. Disponível em: http://jequitibadosamba.blogspot.com/2013/09/carnaval-de-1947.html. Publicado: 19 set. 2013. Acesso: 06 de fev. 2023  

G1 Zona da Mata. Concurso de Marchinhas premia compositores de Juiz de Fora. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/carnaval/2016/noticia/2016/01/concurso-de-marchinhas-premia-compositores-de-juiz-de-fora.html Publicado: 30 jan. 2016. Acesso: 06 fev. 2023. 

 

Por Teresa Santos