Por: Elisa Batalha
A, B, C, D, E , F, G …. aprender a ler e a escrever para você foi fácil, não? E para a humanidade, como foi? Saiba como foi a aventura do desenvolvimento da escrita, conheça os diferentes alfabetos e sistemas existentes.
Você se lembra da primeira coisa que disse hoje ao acordar? Se não lembra, tudo bem. A maioria de nós não se recorda também. E da aula de ontem no colégio, você lembra de cor? Se não lembra, pode consultar o seu caderno, não é? Ainda bem que existe a escrita, hein?!
Para nos facilitar a memória, e para nos comunicar com pessoas que estão afastadas no espaço ou no tempo, deixamos registros. Quando mandamos uma carta, nos comunicamos com alguém que está afastado no espaço. Mas também deixamos um registro que pode ser lido pelas futuras gerações, então, nos comunicamos com aqueles que estão afastados no tempo.
Conhecendo o passado
A escrita é, portanto, uma invenção decisiva para a história da humanidade. Ela é a representação do pensamento e da linguagem humana por meio de símbolos. Um meio durável e privilegiado de comunicação entre as pessoas. Por meio de registros escritos há milhares de anos, ficamos sabendo como era a vida e a organização social de povos que viveram muito antes de nós. A invenção não surgiu por acaso, mas como consequência das mudanças profundas nas sociedades durante o período do surgimento das primeiras cidades.
Pelo menos quatro sistemas de escrita foram inventados de forma independente em épocas diferentes, por quatro povos distintos, na Mesopotâmia, Egito, China e América Central.
Os mais antigos testemunhos escritos encontrados são provenientes da região da Mesopotâmia (atual Iraque), feitos 3.300 anos antes de Cristo. Os sumérios, que habitavam a Mesopotâmia (povos que viveram antes dos assírios e babilônios na mesma região), desenvolveram a escrita cuneiforme. O termo vem de cunha, que era uma pequena ferramenta de entalhe, a “caneta” da quele tempo, que gravava símbolos em plaquinhas de cerâmica. Com ela, não era preciso ser um grande desenhista para compor todos os caracteres.
Não muito longe dali, e pouco depois, os egípcios criaram os hieróglifos, a escrita das pirâmides. Nos seus primeiros tempos, a escrita no Egito era reservada a uma classe de especialistas, os escribas. Eles ocupavam uma posição de destaque, passavam por um processo de formação e eram o elo entre o faraó, outros funcionários do governo, os sacerdotes e o povo. Até a Idade Média, quando foi criada a imprensa, em 1450, as pessoas comuns ainda não aprendiam a ler e escrever. A ideia de que todas as crianças devem aprender a ler e escrever só foi difundida no século XIX.
A palavra hieróglifo vem do grego hieros, “sagrado” e glyphein, “gravar, escrever” e quer dizer escrita sagrada. Na verdade, existem diferentes estilos. O mais desenhado, tal como vemos nas pirâmides, é chamado de estilo hieroglífico. Em papiros e outros documentos vemos o estilo hierático, mais cursivo, ou seja, mais fácil de traçar. Existe ainda um estilo mais popular, o demótico. Por muito tempo, a escrita antiga permaneceu misteriosa. Os hieróglifos só foram decifrados no século XIX, pelo estudioso francês Jean-François Champollion, a partir de uma pedra que continha inscrições em hieróglifos e sua tradução para grego.
Na América Central, povos como os maias e os astecas tinham seus próprios sistemas de escrita quando os europeus conquistaram a região, e grande parte dos seus documentos escritos foi destruída. Sabe-se que a escrita nahuatl, por exemplo, surgiu por volta do século XIII, mas ela ainda não foi totalmente decifrada pelos estudiosos.
A China também foi berço de um sistema original, criado há mais de 3 mil anos. Eles foram os responsáveis pela invenção do papel. Antes disso, muitos outros suportes foram usados para a escrita. Os livros já foram feitos de placas de barro, madeira, metal, osso e até bambu. Escrituras em tecidos, couro, cascas de árvore e em papiro, uma espécie de papel mais fibroso, eram enroladas ou dobradas. O pergaminho era obtido a partir do couro curtido, formando rolos e podia ser lavado ou lixado para apagar uma mensagem e escrever outra por cima.
Da imagem ao som
Até hoje, há diferentes tipos de escrita, porque suas origens são diferentes. A escrita evoluiu a partir do desenho. Mais ou menos assim: no início, cada figura representava um objeto. Desenhar um peixe para querer dizer peixe, ou a representação de um pé significando andar, ir, ou viagem é o que chamamos pictografia. O significado deriva diretamente da figura que o representa, por isso dizemos que é um sistema figurativo.
Se pedíssemos para você expressar a ideia da água em um símbolo, como você desenharia? Será que todos nós faríamos desenhos iguais? Provavelmente não. Por isso, a criatividade dos muitos inventores da escrita tem consequências até hoje, levando à existência de sistemas diversos. As representações de elementos simples diferem desde os primórdios. Por exemplo, a ideia da água era representada pelos egípcios como uma onda, pelos chineses, por curvinhas que lembravam a correnteza de um rio, e pelos astecas, pela cor azul dentro do desenho de uma vasilha.
A partir da escrita pictográfica, os traços foram sendo simplificados e o desenho já não parecia mais com o objeto que representava. ”
Quando temos um sistema de escrita que possui um símbolo para cada coisa, como os chineses fazem até hoje, chamamos de sistema ideográfico. Na escrita pictográfica e nos ideogramas que evoluíram a partir dela, a menor unidade da escrita é a palavra.
O sistema ideográfico parece complexo para nós porque é necessário conhecer um número grande de símbolos (mais de mil!) para conseguir ler um texto de jornal, por exemplo. Com o alfabeto é diferente, conseguimos ler qualquer palavra desde que conheçamos umas duas ou três dezenas de símbolos.
O alfabeto
Isso porque o alfabeto é uma invenção que parte de uma outra ideia: representar não a coisa em si, mas o som. O alfabeto é uma tentativa de desenhar o som da língua. Ele é resultado da decomposição do som das palavras em sílabas ou em fonemas – o som das letras. Cada letra representa um fonema ou mais de um (o C, por exemplo, pode ter som de k – como em casa – ou de s como na palavra cidade, por exemplo).
O nosso alfabeto é o latino e descende do grego. O grego, por sua vez, foi derivado do fenício, que trouxe uma grande inovação. Com apenas 22 letras, o alfabeto fenício era muito mais simples do que as escritas cuneiforme e hieroglífica. O alfabeto fenício era consonantal, pois só registrava as consoantes, e não as vogais, que só seriam inventadas mais tarde pelos gregos. Os fenícios habitavam uma parte do que hoje á Síria e o litoral do Líbano, e o alfabeto que eles desenvolveram surgiu da necessidade de controlar e facilitar o comércio.
Os alfabetos hebraico e o árabe até hoje não usam vogais, por isso são chamados consonantais. É como se eles escrevessem txt para dizer texto. E por falar em texto, é só pelo sentido dele (ou por outros sinais especiais, que são incluídos nas letras), que é possível, nestes alfabetos, diferenciar o que o autor ao escrever fc, por exemplo, quis dizer foca, faca ou fica. O alfabeto latino é fonético e vocálico, enquanto que o brahmi, sistema indiano que deu origem a muitos outros na Ásia, é silábico.
A escrita nos faz reviver as diferentes civilizações, informando-nos sobre o cotidiano, história, ciência, literatura, religião…Enfim, ela nos deixa o legado de um patrimônio cultural das civilizações já desaparecidas. E por elas, compreendemos como a escrita atual foi desenvolvida.
Evolução permanente
Na verdade, a escrita, assim como as línguas, está em permanente processo de evolução. Ela reflete e acompanha a maneira como as sociedades vivem, seus hábitos, tecnologia e peculiaridades. Por isso, textos de apenas cem anos atrás, muitas vezes, já possuem palavras que caíram em desuso.
Outro exemplo da evolução da forma de escrever é que hoje, já não damos tanta importância a ter uma letra bonita no caderno, porque o acesso a computadores torna mais fácil a produção da escrita em letra de forma, digitada. E vemos, nos e-mails e nas trocas de mensagens escritas simultâneas pela Internet – os chats –, uma variação da linguagem, produzida pela pressa em digitar. Por exemplo, quando escrevemos vc e tb, no lugar das palavras você e também. O uso de símbolos gráficos – os emoticons, como ; > ) (um rostinho sorrindo e piscando um olho) – tenta imitar as expressões faciais que acompanham a linguagem oral. Tudo isso mostra como a escrita é um processo vivo e ativo, inventado e reinventado pela humanidade todos os dias.
Outras curiosidades sobre a escrita
Escreva seu nome com hieróglifos
O alfabeto latino e a língua portuguesa
Champollion, decifrador dos hieróglifos
Colaboração: Paulo Henrique Colonese – Parque da Ciência / Museu da Vida
Referências bibliográficas:
Naissance de l`écriture – cuneiformes er hieroglyphes. Beatrice André Leicknam et Christiane Ziegler (orgs) Éditions de lá Réunion des musées nationaux. Paris, 1998.
L`aventure des écritures – naissances. Anne Zali et Anne Berthier (orgs). Bibliotéque nationale de France. Paris, 1997
Data Publicação: 02/12/2021