Por: Maria Ramos
Lendas, mistério e muita controvérsia envolvem a descoberta da casca de uma árvore chamada cinchona, nativa da região dos Andes da América do Sul. O quinino, um pó branco extraído dessa casca, foi o primeiro medicamento usado em larga escala no combate à malária – uma doença terrível que matou entre 150 e 300 milhões de pessoas somente nos últimos 100 anos! Atualmente mais de um milhão de pessoas morrem da doença a cada ano, a maioria crianças africanas com menos de cinco anos.
A transmissão da malária se dá pela picada de mosquitos do gênero Anopheles contaminados com um parasita, o plasmódio. No organismo humano, o plasmódio destrói as células vermelhas do sangue (hemácias) e provoca acessos intensos de febre a cada dois ou três dias, seguidos de calafrios, dores de cabeça e no corpo, vômitos e suor excessivo. O quinino, além de controlar a febre e aliviar as dores, mata também os parasitas.
Apesar do surgimento de outros medicamentos, como a cloroquina e a primaquina, até hoje o quinino é um remédio muito usado, principalmente, contra a malária causada pelo Plasmodium falciparum. Mas as propriedades do pó da cinchona não param por aí: ele é usado ainda em câimbras musculares, distúrbios do coração e até mesmo na água tônica, dando o sabor amargo à bebida.
Histórias e lendas
A história da casca de cinchona tem mais de 350 anos. Os europeus descobriram a casca entre os séculos XVI e XVII durante a conquista do Império Inca, na região do Peru. Historiadores, no entanto, debatem se foram os indígenas ou os europeus que desenvolveram o medicamento.
Evidências sugerem que a malária não existia na América antes da chegada dos espanhóis. Contudo, muitos anos se passaram da chegada dos europeus (e presumivelmente da malária) e os primeiros registros da cinchona. Aparentemente durante esse intervalo, sugerem historiadores, os nativos teriam desenvolvido a cura.
Os que defendem esse argumento reforçam que os curandeiros nativos usavam uma vasta coleção de plantas medicinais, e realmente muitas dessas plantas foram levadas para a Europa. Soma-se a isso o fato de que, na época, a medicina dos indígenas era, para muitas doenças, mais eficaz do que os tratamentos europeus.
Mas se por um lado faltam documentos que comprovem como se deu a descoberta da casca da cinchona, por outro não faltam lendas que contam com detalhes essa história. Uma diz que nativos teriam notado que suçuaranas (também chamadas de pumas ou leões da montanha) doentes mordiam a casca de certas árvores e ficavam curadas. Assim, indígenas com malária teriam usado aquelas cascas e descoberto as propriedades medicinais da cinchona.
Já os espanhóis têm outra versão para a descoberta. Conta a lenda que um soldado espanhol, acometido de malária, foi deixado para trás para morrer por seus companheiros. Torturado pela sede, ele rastejou até um pequeno lago, bebeu água e caiu no sono. Ao acordar, percebeu que a febre tinha desaparecido. Então, lembrou-se de que a água tinha um gosto amargo e que um grande tronco de árvore, rachado por um relâmpago, estava caído no lago. A casca dessa árvore, o soldado concluiu, tinha o extraordinário poder de curar a malária.
Imagens:(1)Rod Waddington/Flickr
(2)Hermann Adolf Köhler (1834 – 1879)
(3)H.Zell/Wikimedia
Veja também:
E mais:
Oliveira, A.R.M. & Szczerbowski, D. Quinina: 470 anos de história, controvérsias e desenvolvimento in Quimica Nova, vol.32, nº7, 2009
Data Publicação: 03/12/2021