Fig 1. As mulheres são maioria entre os profissionais de saúde em todo o mundo. Crédito: FatCamera/iStock

Conheça sete nomes que fizeram ou fazem diferença na história da saúde brasileira e do mundo

Pense na última vez em que foi a um serviço de saúde. Havia mulheres na equipe que lhe atendeu? Provavelmente, a resposta é sim. Dados da organização internacional Women in Global Health (Mulheres na Saúde Global) mostram que as mulheres representam 70% dos trabalhadores da saúde em todo o mundo. Entretanto, elas ocupam apenas 25% dos cargos de liderança nesse setor. Essa pequena taxa está longe de refletir a importância desse grupo. Para mostrar que as mulheres podem e devem ocupar cada vez mais postos de destaque nessa e em outras áreas de atuação, o InVivo traz alguns exemplos de mulheres que contribuíram (ou ainda contribuem) muito para melhorar a vida das pessoas. Conheça abaixo algumas dessas grandes mulheres!

 

Ana Néri (1814-1880)

 

Fig 2. Ana Néri foi a primeira mulher a se tornar enfermeira no Brasil. Crédito: Domínio público/Wikimedia Commons

 

A baiana Ana Néri (também grafado Anna Nery) foi a primeira mulher a se tornar enfermeira no Brasil. Ela teve uma atuação importante na Guerra do Paraguai, que ocorreu entre 1864 e 1870. O conflito colocou em lados opostos Brasil, Argentina e Uruguai (países que integravam a chamada Tríplice Aliança) e o Paraguai.

Os filhos de Ana Néri foram convocados para a guerra. Para acompanhá-los no campo de batalha, ela pediu permissão ao presidente da Província da Bahia, cargo que atualmente equivale a governador do estado. A resposta foi positiva e ela deixou a Bahia em direção ao Rio Grande do Sul, onde aprendeu noções básicas de enfermagem com freiras. Ana Néri passou então a atuar no conflito como enfermeira voluntária. Ganhou várias medalhas pelos cuidados que prestou aos soldados no front.

Em 1926, a primeira escola de enfermagem no Brasil ganhou seu nome. A unidade é a atual Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Nise da Silveira (1905-1999)

 

Fig 3. Nise da Silveira foi pioneira na incorporação da arteterapia ao tratamento das doenças mentais. Crédito: Domínio público/Acervo Arquivo Nacional/Wikimedia Commons

 

Nascida em Maceió (AL), Nise da Silveira se formou pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1926. Ela era a única mulher da sua turma de medicina. Durante sua vida profissional, dedicou-se à psiquiatria e foi responsável por revolucionar o tratamento das doenças mentais no Brasil. Ela era contrária ao uso de algumas práticas, tais como eletroconvulsoterapia (que usa estímulo elétrico para gerar convulsão) e lobotomia (cirurgia que “desliga” regiões do cérebro conhecidas como lobos frontais).

Nise da Silveira fundou a Seção de Terapêutica Ocupacional no antigo Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro (RJ), que hoje leva seu nome, em 1946. Por lá, os pacientes podiam se expressar através da pintura e modelagem, algo inovador para a época. Criou ainda o Museu de Imagens do Inconsciente em 1952. O local passou a reunir obras produzidas por artistas-pacientes.

Outro legado da psiquiatra foi a fundação da Casa das Palmeiras em 1956, uma clínica para receber pessoas que haviam vivido em instituições psiquiátricas. O local buscava reintegrar os pacientes à vida em sociedade. Além de incorporar a arte ao tratamento psiquiátrico, Nise da Silveira também foi pioneira na pesquisa sobre as relações afetivas entre pacientes e animais. Esteve à frente ainda da introdução no país da psicologia analítica (ou psicologia junguiana), que busca integrar aspectos inconscientes à consciência.

 

Yvonne Lara da Costa (Done Ivone Lara) (1922-2018)

 

Fig 4. Dona Ivone Lara foi pioneira na incorporação da musicoterapia no tratamento das doenças mentais. Crédito: As fotos da Virada!/Wikimedia Commons

 

“Acreditar, eu não

Recomeçar, jamais

A vida foi em frente

E você simplesmente não viu que ficou pra trás”

 

Já ouviu o trecho da música acima? Os versos são da música ‘Acreditar’, da compositora, cantora e instrumentista Done Ivone Lara, escrita em parceria com Délcio Carvalho. É possível que conheça a trajetória de Ivone Lara na música, mas sabia que ela também teve um papel importante na saúde brasileira?

A carioca que nasceu no bairro de Botafogo, Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, graduou-se em Enfermagem pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e em Serviço Social pela UFRJ. Ivone foi uma das primeiras mulheres negras a se formar em um curso de ensino superior no Brasil.

Ela trabalhou na equipe de Nise da Silveira e, com a médica, especializou-se em terapia ocupacional. Foi responsável pela incorporação da música ao tratamento de pacientes atendidos no atual Instituto Municipal Nise da Silveira, no bairro do Engenho de Dentro. Por sugestão dela, Nise da Silveira criou uma sala com instrumentos musicais dentro da instituição. A iniciativa foi uma inovação para aquela época (década de 1940). A oficina de música iniciada por Ivone deu origem ao bloco de Carnaval Loucura Surbubana, que até os dias de hoje desfila pelas ruas do bairro do Engenho de Dentro, na cidade do Rio de Janeiro.

 

Zilda Arns (1934-2010)

 

Fig 5. A médica Zilda Arns foi responsável pela popularização do “soro caseiro”, responsável por salvar muitas vidas. Crédito: Valter Campanato/Arquivo ABr/Wikimedia Commons

 

Nascida na cidade de Forquilhinha (SC), Zilda graduou-se em medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e dedicou-se à pediatria e à saúde pública. Em 1980, coordenou a campanha de vacinação contra a poliomielite no estado do Paraná e dirigiu o Departamento Materno-Infantil da Secretaria da Saúde do mesmo estado.

Também foi fundadora e coordenadora nacional das pastorais da Igreja Católica voltadas para crianças e idosos. Ela combateu à mortalidade e à desnutrição infantil, sendo uma das responsáveis pela popularização do “soro caseiro”, mistura de água, sal e açúcar que previne a desidratação.

Ela faleceu em 2010 durante um terremoto em Porto Príncipe, no Haiti. A médica e sanitarista estava na região em missão humanitária.

Ao longo de sua trajetória, ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais em função de seus trabalhos sociais, inclusive indicações ao Prêmio Nobel da Paz. Também é candidata à beatificação, isto é, processo da Igreja Católica que atribui o status de beato. Esta é uma das etapas de reconhecimento da santidade de uma pessoa.

 

Margareth Dalcolmo (1954)

 

Fig 6. Margareth Dalcomo atuou ativamente no combate à Covid-19, com ações de conscientização da população sobre os riscos da doença. Crédito: arquivo pessoal

Margareth Dalcomo nasceu no interior do Espírito Santo, mas cresceu no Rio de Janeiro. Em 1978, ela se formou em medicina pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM). Na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), especializou-se no cuidado das doenças pulmonares e atua ainda hoje como pesquisadora. É doutora pela Escola Paulista de Medicina, vinculada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Sua tese de doutorado abordou o estudo de estratégias para reduzir o abandono no tratamento da tuberculose.

A médica é professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e, em 2022, assumiu a cadeira número 12 da Academia Nacional de Medicina (ANM). Foi ainda presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) (2023-2024). Além de investigar a tuberculose, ela foi pioneira na luta contra o tabagismo no país. Durante a pandemia de Covid-19, atuou de forma ativa no enfrentamento da doença, a partir de ações de divulgação científica, da conscientização da população sobre os riscos do coronavírus e da defesa das vacinas. Em 2023, tornou-se uma das embaixadoras do movimento nacional pela vacinação.

 

Rita Smith (1962)

 

Fig 7. Rita Smith, ex-agente comunitária de saúde da Rocinha, garantiu que muitas pessoas não desistissem de seus tratamentos para tuberculose, HIV e diabetes na maior favela do Rio. Crédito: Cléber Araújo

Rita Smith nasceu no terreno chamado Bananeira, na antiga Rua 4 (atual Rua Nova) da Rocinha. A favela fica localizada na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro (RJ) e é uma das maiores da América Latina.

Sua mãe morreu em decorrência da infecção por tuberculose. A própria Rita teve tuberculose duas vezes. Após se recuperar da última infecção, ela se tornou agente comunitária de saúde (ACS) em 2003. Passou então a trabalhar no combate da tuberculose e controle do HIV e diabetes. Rita Smith ia de casa em casa na Rocinha, visitando doentes e checando se eles estavam fazendo seus tratamentos corretamente.

A profissional atuou também ativamente na luta para a realização de obras na Rocinha, especialmente na antiga Rua 4. Por décadas, a região foi um beco, com pessoas vivendo aglomeradas, em um espaço onde a luz do sol não chegava. Essas condições contribuíam para que fosse uma das localidades com mais casos de tuberculose na cidade do Rio de Janeiro. Após a conclusão das obras em 2010, executadas por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, o número de casos da tuberculose na antiga Rua 4 caiu consideravelmente.

Por sua trajetória, Rita recebeu prêmios e é reconhecida internacionalmente pelo enfrentamento incansável no combate à tuberculose.

 

Alícia Krüger (1993)

 

Fig 8. A farmacêutica clínica Alícia Krüger atuou na implementação da PrEP, medida preventiva contra o HIV, no SUS. Crédito: arquivo pessoal

 

Alícia Krüger nasceu e cresceu na cidade de Ponta Grossa (PR). Ela é farmacêutica formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e foi a primeira pessoa trans, isto é, pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi designado em seu nascimento, a se formar em uma instituição pública de ensino superior do Paraná.

Após a conclusão do curso de graduação em 2015, a farmacêutica clínica obteve o título de especialista em Gestão das Políticas de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/Aids, Hepatites Virais e Tuberculose pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em 2017. E, em 2018, concluiu o mestrado em Saúde Coletiva na Universidade de Brasília (UnB). No momento, ela cursa o doutorado em Medicina na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).

No Governo do Distrito Federal, Alícia foi uma das responsáveis pela implementação do serviço de farmácia clínica do Ambulatório Trans no estado. Além disso, teve atuação em âmbito nacional, ao participar da equipe técnica que implementou a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), uma das formas de prevenção do HIV, como política pública no Sistema Único de Saúde (SUS).

Atualmente, atua como consultora do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e coordena o grupo de trabalho de cuidado farmacêutico à população LGBTQIA+ e outras pessoas em situação de vulnerabilidade. Também é membro do Grupo de Trabalho em Saúde LGBTI+ da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e assessora de Políticas de Inclusão, Diversidade e Equidade em Saúde do Ministério da Saúde.

 

Fontes consultadas:

Stone, Judy. Mulheres são a maioria na área da saúde, mas não estão na liderança. Forbes. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-mulher/2023/03/mulheres-sao-a-maioria-na-area-da-saude-mas-nao-estao-na-lideranca/. Publicação: 31 mar 2023. Acesso: 06 mar 2024

Women in Global Health (WGH). #SheShapes: The State of Women and Leadership in Global Health. Disponível em: https://womeningh.org/sheshapes/. Acesso: 06 mar 2024

Lúcia, Carmen.  Conheça a história de Ana Néri, primeira enfermeira do Brasil. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/geral/audio/2015-05/conheca-historia-de-ana-neri-primeira-enfermeira-do-brasil. Publicação: 20 maio 2015. Acesso: 06 mar 2024

Wikipédia, a enciclopédia livre. Ana Néri. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_N%C3%A9ri. Acesso: 06 mar 2024

Brasil, Centro Cultural do Ministério da Saúde. Nise da Silveira: vida e obra. Disponível em: http://www.ccms.saude.gov.br/nisedasilveira/uma-psiquiatra-rebelde.php. Acesso: 06 mar 2024

Ferreira, Luiz Claudio. Ivone Lara, 100 anos: como a enfermeira influenciou a sambista. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-04/ivone-lara-100-anos-como-enfermeira-influenciou-sambista. Publicação: 13 abr 2022. Acesso: 06 mar 2024

Wikipédia, a enciclopédia livre. Dona Ivone Lara. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dona_Ivone_Lara. Acesso: 06 mar 2024

Wikipédia, a enciclopédia livre. Zilda Arns. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Zilda_Arns. Acesso: 06 mar 2024

Agência Senado. Zilda Arns, uma vida dedicada a causas sociais. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/01/13/zilda-arns-uma-vida-dedicada-a-causas-sociais. Publicação: 13 jan 2010. Acesso: 06 mar 2024

Wikipédia, a enciclopédia livre. Margareth Dalcolmo. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Margareth_Dalcolmo. Acesso: 06 mar 2024

Informe Ensp/Fiocruz. Pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo é a nova embaixadora da vacinação no Brasil. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisadora-da-fiocruz-margareth-dalcolmo-e-nova-embaixadora-da-vacinacao-no-brasil. Publicação: 23 fev 2023. Acesso: 06 mar 2024

Brasil, Ministério da Saúde. Moradora da Rocinha teve tuberculose e hoje trabalha no combate à doença. Ascom SE/UNA-SUS. Disponível em: https://www.unasus.gov.br/noticia/moradora-da-rocinha-teve-tuberculose-e-hoje-trabalha-no-combate-doenca. Publicação: 1º abr 2014. Acesso: 06 mar 2024

Jornal Fala Roça (Facebook). Entrevista com Rita Smith, segundo episódio da série ‘Rocinha por Elas’. Disponível em: https://www.facebook.com/watch/?v=663004214918156. Publicação: 10 nmar 2022. Acesso: 06 mar 2024

Informe ENSP/Fiocruz. Tuberculose e covid-19 na Rocinha: doenças diferentes, desafios similares. Disponível em: https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/49815. Publicação: 25 ago 2020. Acesso: 06 mar 2024

Fidaldo, Diana e Albuquerque, Thaís. Jornal da PUC.”Saúde sem saneamento não é saúde”, diz moradora da Rocinha. Disponível em: http://jornaldapuc.vrc.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from%5Finfo%5Findex=19&infoid=4562&sid=24. Publicação: 20 jun 2016. Acesso: 06 mar 2024

Leite, Gabriela. OutraSaúde. Em defesa do SUS, da Saúde e da Ciência. A luta contra o apagamento da população LGBT+ no SUS. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasaude/sus-a-luta-contra-o-apagamento-da-populacao-lgbt/. Atualização: 13 jul 2023. Acesso: 06 mar 2024

Sabarense, Bruna. Metrópoles. A vida depois de… lutar pelo reconhecimento da identidade de gênero. Disponível em: https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/comportamento/a-vida-depois-de-lutar-pelo-reconhecimento-da-identidade-de-genero. Atualização: 08 abr 2016. Acesso: 06 mar 2024

Redação Marie Claire. ICTQ Pós-Graduação. Alícia Krüger, farmacêutica travesti, assume novo cargo no Ministério da Saúde. Disponível em: https://ictq.com.br/politica-farmaceutica/3247-alicia-krueger-farmaceutica-travesti-assume-novo-cargo-no-ministerio-da-saude. Acesso: 06 mar 2024

Escavador. Alícia Krüger. Disponível em: https://www.escavador.com/sobre/8149480/alyson-brian-kruger. Acesso: 06 mar 2024

 

Por Teresa Santos

Data Publicação: 08/03/2024