O filme ‘Barbie’, lançado no Brasil em julho de 2023, é um fenômeno de bilheteria. Crédito: Divulgação

 

Boneca Barbie evolui e explora a complexidade dos padrões de beleza, mas ainda impacta na autoimagem infantil

 

O padrão de beleza é um tema complexo e controverso ao longo da história. Essa questão ganhou ainda mais destaque com a influência da mídia e da publicidade, que muitas vezes promovem uma visão estereotipada e inatingível do que é considerado belo. As bonecas, como um reflexo da sociedade em que vivemos, também têm desempenhado um papel significativo na definição dos padrões de beleza impostos às crianças desde cedo. Um dos exemplos mais notórios é a icônica boneca Barbie.

Lançada pela primeira vez em 1959 pela empresa de brinquedos Mattel, a Barbie rapidamente se tornou uma figura emblemática da cultura pop e uma das bonecas mais vendidas no mundo todo. Porém, ao longo dos anos, ela também enfrentou críticas por sua aparência irrealista e inalcançável, caracterizada por medidas corporais desproporcionais e uma aparência estereotipada de beleza.

 

Barbie se tornou figura emblemática por mais de uma geração. Crédito: Sandra Gabriel on Unsplash

 

Entretanto, é importante ressaltar que a Mattel, ao longo dos anos, tem buscado tornar a Barbie mais inclusiva e representativa. A marca lançou diversas linhas de bonecas com diferentes tipos de corpos, tons de pele, estilos de cabelo e origens culturais. Essa iniciativa tem sido elogiada por muitos, pois promove a diversidade e ajuda a desconstruir os padrões de beleza limitantes.

 

Padrão desproporcional

Segundo um estudo do American Addiction Centers, intitulado “Dying to be Barbie: Eating disorders in Puisuit of the Impossible” (“Morrendo para ser a Barbie: Transtornos Alimentares na Busca pelo Impossível”, tradução nossa), a versão realista da famosa boneca infantil apresenta proporções impossíveis de se alcançar. Com os pés sempre apoiados nos dedos, ela precisaria andar sobre quatro patas para sustentar o peso do próprio corpo. A cintura, tão fina, não permitiria manter um fígado inteiro dentro do abdômen. Seus pulsos também são muito estreitos e não conseguiriam segurar coisas pesadas. Suas pernas são 50% mais longas do que seus braços, enquanto que, na maioria das mulheres, as pernas são apenas 20% mais longas que os braços.

 

A Barbie, com suas longas pernas, cintura fina e traços faciais extremamente padronizados, pode transmitir uma mensagem prejudicial às crianças, principalmente às meninas, sobre o que é considerado bonito. Essa imagem idealizada pode levar a problemas de autoestima e inseguranças, já que as crianças podem internalizar a crença de que precisam se encaixar em certos padrões físicos para serem aceitas ou consideradas bonitas. Crédito: Alexandre Dinaut on Unsplash.

 

Além disso, a questão do padrão de beleza também se estende além das bonecas. A sociedade tem avançado na discussão sobre a importância da representatividade em diferentes áreas, como mídia, moda e publicidade. A promoção de uma imagem mais diversificada de beleza, que abarque a variedade de formas, cores e tamanhos, é essencial para ajudar as crianças a desenvolverem uma percepção saudável de si mesmas e dos outros. É o que afirma a neuropsicóloga Lidiany Reis.

 

“O que antes parecia ser utopia tornou-se tão sério quanto uma brincadeira de criança. As Barbies vêm subsidiando a ampliação da capacidade criativa das crianças, não permitindo uma formatação para que caibam na sociedade, que tenta ditar uma única forma de existir. A variedade de bonecas vem trazendo um questionamento aos pequenos: o espaço social não é o lugar onde descobrimos as diferenças e como conviver e crescer com elas? A sociedade, por sua vez, fica com a responsabilidade de permitir a expansão de consciência, incluindo a corporal, ao ser em desenvolvimento, pois é nela que são constituídos como indivíduos.”

Lidiany Reis, neuropsicóloga e especialista em desenvolvimento infantil

 

Primeira Barbie negra

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, cerca de 23% da população brasileira é composta por mulheres negras. Vinte anos após a chegada da Barbie branca, a primeira Barbie negra, projetada pela designer Kitty Black Perkins, surgiu oficialmente em 1980 e, desde então, passou por modificações que consolidaram suas características distintas. Ainda que avanços tenham sido feitos, esse longo período de omissão ilustra como a representatividade negra tem sido negligenciada na indústria de brinquedos, tornando evidente a necessidade de promover mudanças estruturais para garantir uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

A designer Kitty Black Perkins com a primeira Barbie negra. Crédito: Divulgação


O filme ‘Barbie’

Com parte considerável da população brasileira composta por mulheres negras, o chamado Julho das Pretas, marcado pelo Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha em 25 de julho, deveria ser uma ocasião de amplas discussões e protagonismo negro, destinada a abordar a realidade das mulheres negras no Brasil. Infelizmente, a expectativa de diálogos significativos foi ofuscada por uma onda rosa.

Para muitos, o filme ‘Barbie’, lançado nos cinemas em 20 de julho de 2023, é visto como uma espécie de retratação. Através da narrativa da boneca icônica, ele aborda temas como autoaceitação, empatia, superação de padrões prejudiciais e valorização da individualidade.

Em resumo, a questão do padrão de beleza é complexa e multifacetada, e as bonecas, em especial a Barbie, desempenham um papel relevante na construção da imagem que as crianças têm sobre si mesmas e sobre o conceito de beleza. Portanto, é crucial que a sociedade e as empresas responsáveis pela produção de brinquedos continuem a promover uma visão mais inclusiva e realista da beleza, incentivando a diversidade e a aceitação de todos os tipos de corpos. Somente assim será possível ajudar a criar uma geração mais segura e autoconfiante.

 

Fontes consultadas:

American Addiction Centers. “Dying to be Barbie: Eating disorders in Puisuit of the Impossible”. Disponível em: https://rehabs.com/explore/dying-to-be-barbie/. Acesso: 03 ago. 2023.

Revista Cult. Marina Costin Fuserdisse. A crise existencial da Barbie. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/crise-existencial-barbie/. Acesso em 25 de julho de 2023.

Revista Galileu. Por Maria Clara Vaiano *, com edição de Luiza Monteiro e Nathalie Provoste. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/cultura/cinema/noticia/2023/07/barbie-5-temas-sobre-saude-mental-retratados-no-filme.ghtml. Acesso em 22 de julho de 2023.

Revista Criança. Mamãe, quero ser uma Barbie. Adela Judith Stoppel de Gueller. Disponível em: https://revistacriancas.com.br/mamae-quero-ser-uma-barbie-adela-stoppel-2/. Acesso em 29 de julho de 2023.

Fractal, Rev. Psicol., dez. 2012. Assim falava Barbie: uma boneca para todos e para ninguém. Michelle Brugnera Cruz Cechin; Thaise da Silva. Disponível em: https://www.scielo.br/j/fractal/a/kzJwqhmwy9Xgsz3SxhXPVdC/. Acesso em 28 de julho de 2023.

Jusbrasil. O Complexo de Barbie e a ditadura da beleza. Zizler Rosângela Lobo Teixeira. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-complexo-de-barbie-e-a-ditadura-da-beleza/241787509. Acesso em 29 de julho de 2023.

Le Monde Diplomatique. O Julho é das Pretas, mas o protagonismo é da Barbie! Disponível em: https://diplomatique.org.br/o-julho-e-das-pretas-mas-o-protagonismo-e-da-barbie/. Acesso em 02 de agosto de 2023.

Mondomoda. As primeiras Barbies negras da história. Disponível em: https://mondomoda.com.br/2019/03/08/barbie-negra-historia/. Acesso em 02 de agosto de 2023.

 

Por Melissa Cannabrava

Data Publicação: 03/08/2023