Fig 1. Fumacê utiliza inseticida para o controle do mosquito Aedes aegypti. Crédito: Paulo H. Carvalho/ Agência Brasília / Flickr.

 

Saiba mais sobre a eficácia do fumacê no controle do mosquito Aedes aegypti e como ele pode impactar a nossa saúde e a saúde ambiental

Um carro passa, liberando fumaça pelas ruas. Você já viu essa cena? Estamos falando do fumacê, uma estratégia de controle químico do mosquito Aedes aegypti por meio do uso de inseticida. Atualmente, o fumacê é utilizado apenas em situações excepcionais, por exemplo, em surtos ou epidemias de dengue, zika e chikungunya. Mas, ainda assim, seu uso levanta questionamentos. Vamos descobrir como funciona e por que muitos especialistas consideram a medida pouco eficaz – até mesmo desaconselhável.

 

O que é o fumacê? Como funciona?

O fumacê, também chamado de nebulização espacial, utiliza um ou mais inseticidas para controlar insetos. Ele atua sobre mosquitos Aedes aegypti adultos que estão voando no momento da ação.

Os principais inseticidas usados nesse método são neurotóxicos, ou seja, eles agem no sistema nervoso dos insetos, levando-os à morte.

 

Fig 2. Os insetos possuem um cérebro ou gânglio na região central da cabeça. Ele é ligado a um cordão nervoso que se prolonga na parte ventral do corpo. Os inseticidas neurotóxicos afetam o sistema nervoso dos insetos de diferentes formas. Uma das funções que fica comprometida pela ação desse tipo de inseticida é a transmissão do impulso nervoso. Crédito: Pawich Sattalerd / Getty Images

 

O Ministério da Saúde orienta que, durante a aplicação, as pessoas mantenham as portas e janelas das casas abertas para que os inseticidas alcancem insetos presentes no interior dos domicílios e em quintais.

A estratégia é considerada um método adicional, utilizada apenas em situações de surtos de doenças, e não elimina a necessidade do uso de outros métodos de controle do mosquito. Ou seja, nada de deixar água parada acumulada por aí! E, para quem está na faixa etária indicada, é importante vacinar-se contra a dengue!

Nos últimos anos, os inseticidas usados no controle químico do Aedes aegypti tornaram-se menos tóxicos aos humanos. Abaixo você encontra mais detalhes desses compostos.

 

Inseticidas recomendados pelo Ministério da Saúde

Até 2019, o Ministério da Saúde recomendava o uso de malationa no fumacê, inseticida atualmente classificado como cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial de Saúde (IARC/OMS).

A partir de 2020, o governo passou a recomendar inseticidas menos tóxicos, como a combinação de praletrina e imidacloprida, além da combinação de flupiradifurone e transflutrina.

Segundo informações do site do Ministério da Saúde, a técnica de aplicação dos produtos mais modernos (ultrabaixo volume a frio) não envolve queima de óleo mineral no momento da aplicação, então, não há formação daquela nuvem clássica de fumaça, de que muitos, provavelmente, têm lembrança.

Mas não se engane! Apesar de menos tóxicos, esses inseticidas ainda são considerados venenos e também alvo de muitas críticas. O método é associado a vários problemas e é considerado incapaz de resolver a questão das arboviroses, isto é, doenças causadas por artrópodes, tal como o mosquito Aedes aegypti.

Fumacê tem alcance limitado e efeito temporário

Uma das várias críticas dos especialistas ao fumacê diz respeito ao seu alvo. Se só mosquitos adultos são afetados, o que acontece com as larvas e os ovos de Aedes aegypti? A resposta é… Nada! O fumacê não atua sobre larvas e ovos de mosquitos.

Na verdade, ele atua apenas sobre alguns mosquitos adultos que têm contato direto com a fumaça que é aplicada nas ruas. Ou seja, para ser atingido, o mosquito tem que estar voando no exato momento e local em que o carro do fumacê passa. Por isso, considera-se que o método não tem impacto sobre as populações de mosquitos, ele age apenas sobre indivíduos isoladamente.

 

Fig 3. O ciclo de vida dos mosquitos envolve quatro fases: adulto, ovos, larva e pupa. O fumacê afeta apenas os adultos. Crédito: LCOSMO / Getty Images / adaptado por Invivo

 

Outro aspecto que reforça a incapacidade do fumacê de se concretizar como o método número um de eliminação do Aedes aegypti é o fato de se dissipar rápido no ambiente. Segundo o Ministério da Saúde, embora o tempo que o produto fica disperso no ar possa variar em função das condições climáticas na hora da aplicação, em geral, ele permanece no ambiente por cerca de 30 minutos.

Resistência: um dos principais problemas do fumacê

Um grande problema associado ao uso de inseticidas é a resistência. Mas você sabe o que é isso?

Falamos há pouco que só os mosquitos que estavam ‘no local errado e na hora errada’ vão morrer, certo? Mas isso não significa que todos aqueles que receberam as gotículas do inseticida vão perecer.

Embora parte dos mosquitos adultos que tiveram contato direto com o inseticida, de fato, vá morrer, alguns vão sobreviver. Eles sobrevivem porque possuem genes que conferem resistência à fórmula química usada, ou seja, são geneticamente resistentes ao inseticida em questão.

Com a aplicação repetida desse mesmo inseticida, os mosquitos resistentes sobrevivem e se reproduzem mais do que os não resistentes. Ou seja, os mosquitos resistentes passam a ser mais comuns na população. Assim, em um determinado momento, o fumacê acaba se tornando ineficaz contra os mosquitos, pois a maioria sobrevive à sua aplicação. E, para resolver o problema, o que é feito? Trocam de inseticida.

Um novo produto químico, muitos mosquitos suscetíveis! Porém (ai, porém!), lá está novamente um pequeno grupo que possui resistência. E aí recomeçamos o ciclo! De jato em jato, os poucos insetos resistentes passam a ser novamente maioria!

 

Fig 4. Esquema mostrando o fenômeno da resistência aos inseticidas presentes no fumacê. Naturalmente, os mosquitos resistentes (vermelho) já estão presentes na natureza. Quando o fumacê é aplicado, ele seleciona os mosquitos resistentes e elimina os suscetíveis (pretos). Com o tempo e a reaplicação repetidas vezes do mesmo inseticida, os resistentes, que antes eram mais raros, tornam-se mais frequentes na população. Crédito: vabadov / Gettty Images / adaptado por Invivo

 

Impactos na saúde humana causados pelo fumacê

Apesar dos inseticidas recomendados pelo Ministério da Saúde serem indicados pela OMS e aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), eles não são isentos do risco.

Especialistas recomendam que as pessoas não fiquem em casa no momento da aplicação do fumacê. Também orientam a retirada de animais de estimação do local, retornando, pelo menos, 30 minutos depois. Outra medida recomendável é guardar ou tampar alimentos, não os deixando expostos ao agente químico.

O contato com grande quantidade desses produtos ou a exposição prolongada e recorrente pode estimular alergias (principalmente, respiratórias) e trazer problemas que vão desde irritação na garganta, tosse e dificuldade para respirar até alterações neurológicas.

Em 2024, pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e colaboradores divulgaram um relatório que analisou por seis anos (2018 a 2023) a saúde de 7.400 Agentes de Combate às Endemias, ou seja, os profissionais que ficam à frente de ações como o fumacê. Os resultados não foram nada bons.

A pesquisa revelou que 71% dos trabalhadores apresentaram sintomas de intoxicação. Os pesquisadores observaram ainda um grande número de casos de doenças neurológicas, alterações das células do sistema imunológico, lesões no material genético, além de relatos de casos de alterações reprodutivas. Outro problema identificado é que muitos entrevistados disseram que aplicavam os produtos químicos sem equipamentos de proteção individual (EPI).

 

Fig 5. Os Agentes de Combate às Endemias devem utilizar equipamentos de proteção individual (EPI), tal como roupa de proteção, luva, máscara ou respirador e óculos de proteção. Crédito: Prapat Aowsakorn / Getty Images

 

Impacto ambiental

Além da saúde humana, o fumacê também pode afetar a saúde de outros seres vivos e causar impactos ambientais negativos. Isso porque eles são tóxicos também para insetos polinizadores (como as abelhas), vespas e outros predadores naturais dos mosquitos, para aves e plantas, entre outros organismos vivos.

A morte desses seres pode causar desequilíbrios ambientais. Isto porque como cada ser vivo desempenha um papel na cadeia alimentar, a retirada de indivíduos afeta o equilíbrio do ciclo como um todo de um determinado ambiente.

É importante lembrar que, além disso, algumas espécies de abelhas, por exemplo, estão em extinção. Processos que causam a morte desses insetos, em última análise, também contribuem para agravar esse problema. E este é um problema bem grande!

As abelhas são polinizadores muito eficientes. Elas transportam grãos de pólen de uma flor para outra, participando da reprodução das plantas. Se forem extintas, a produção de vários alimentos será afetada e nossa dieta ficará mais pobre.

Por essas e outras razões, o uso do fumacê é questionável. É preciso muita cautela na sua aplicação. Como o uso frequente e intenso são especialmente preocupantes, a aplicação regular, seja na rua ou em condomínios, é desaconselhável.

 

Fig 6. Em um mundo sem abelhas, a mesa de café da manhã não teria vários dos elementos acima. Frutas, suco de fruta e o próprio café são alguns dos exemplos que poderiam deixar de existir. Crédito: ribeirorocha / Getty Images

 

Saiba mais:

Aedes: resistência aos inseticidas

 

Fontes consultadas:

Brasil, Ministério da Saúde. Saiba como é utilizado o fumacê no combate ao mosquito da dengue. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/marco/saiba-como-e-utilizado-o-fumace-no-combate-ao-mosquito-da-dengue. Atualização em: 01 abr 2024

Evangelista, Ana Paula. Fumacê e larvicida são insuficientes para controlar dengue. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/podcast/fumace-e-larvicida-sao-insuficientes-para-controlar-dengue

Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). ESTRATÉGIAS de controle do vetor: módulo 5. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/15212. Publicação: 2013

Centro de Estudos Estratégicos a Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho. Dengue e verão: novos casos, velhas práticas – entrevista com Rivaldo Venâncio. Disponível em: https://cee.fiocruz.br/?q=node/1058. Publicação: 16 out 2019

Mathias, Maíra e Guimarães, Cátia (EPSJV/Fiocruz). Entrevista: pesquisadora defende a utilização de armadilhas para o controle do Aedes aegypti. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/entrevista-pesquisadora-defende-utilizacao-de-armadilhas-para-o-controle-do-aedes-aegypti. Publicação: 19 fev 2016

SBT News. Fumacê não é eficaz contra a dengue, afirma infectologista | Poder Expresso. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hLkiOlMgtLA. Publicação: 01 mar 2024

Testoni, Marcelo. Fumacê usado para combater mosquito da dengue faz mal à saúde?. VivaBem UOL. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2024/03/20/fumace-usado-para-combater-mosquito-da-dengue-faz-mal-a-saude.htm?cmpid=copiaecola. Publicação: 20 mar 2024

Wikipédia. Fumacê. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fumac%C3%AA

Agência Estadual de Notícias – Governo do Estado do Paraná. Novo inseticida contra mosquito da dengue deve chegar ao Paraná ainda neste mês. Disponível em: https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Novo-inseticida-contra-mosquito-da-dengue-deve-chegar-ao-Parana-ainda-neste-mes. Publicação: 03 mai 2023

Vargas, Tatiane. Audiência Pública na ENSP debate saúde dos agentes de endemias: pesquisa revela situação dos trabalhadores. INFORME Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). Disponível em: https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/55251. Publicação: 13 jun 2024

Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH). Relatório Técnico/Científico de Pesquisa. Estudo do impacto à saúde de Agentes de Combate às Endemias/Guardas de Endemias pela exposição a agrotóxicos no estado do Rio de Janeiro: resultados do Projeto Integrador Multicêntrico (2018-2023). Apresentado em Audiência Pública Alerj/ Fiocruz “Saúde dos Agentes de Endemias”. Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://informe.ensp.fiocruz.br/assets/anexos/597a175f6b083be87a5745f1cd61a85d.PDF

 

*Todos os sites foram consultados em 14 fev 2025.

 

Por Teresa Santos

Data Publicação: 24/04/2025