Fig 1. Terras indígenas são fundamentais para frear o desmatamento e ajudam a reflorestar áreas desmatadas. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

Veja como a proteção das terras indígenas pode contribuir para o Brasil reduzir a emissão de gases que intensificam o efeito estufa

 

NDC. Essas três letras ganharam destaque na 29ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP29. No ano de 2024, a conferência acontece em Baku, no Azerbaijão.

Mas você sabe o que é NDC? E o que essa sigla tem a ver com as terras indígenas no Brasil? E com o controle do aquecimento global?

 

Decifrando a sigla NDC

NDC é uma sigla em inglês que significa “Contribuição Nacionalmente Determinada”. O termo representa um compromisso que as nações estabelecem para si. É a partir da NDC que os países fixam metas de redução de emissão de gases que intensificam o efeito estufa. Esses gases são chamados de GEE.

Gás carbônico (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) são exemplos de GEE. Esses gases são importantes para a questão climática porque, quando se concentram de forma exagerada na atmosfera, promovem o aquecimento global.

Todos os 198 países que assinam a Convenção do Clima da ONU se comprometeram a enviar novas NDCs até 2025. O Brasil é um deles, porém, ele se antecipou e já apresentou uma nova NDC na COP29. Com isso, tornou-se o único país da América Latina a entregar o documento antes do prazo final.

 

Fig 2. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil em 2024, segura cópia da nova NDC brasileira. Crédito: UNFCCC

 

Por que nova NDC brasileira é alvo de críticas?

Na nova NDC, o Brasil propôs uma redução de 59% a 67% nas emissões de GEE até 2035 em relação aos níveis de 2005. Apesar da antecipação da entrega do documento ter surpreendido positivamente, o texto recebeu críticas. Especialistas esperavam metas de redução mais ambiciosas.

A presença de uma faixa de taxas como meta limite de redução (59% a 67%) gera dúvidas. “Na verdade, é uma curiosidade, porque ela (a NDC) coloca uma meta flexível”, diz o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP). “Além disso, não coloca como o Brasil vai estruturar sua economia e como será a estratégia de combate ao desmatamento para que a meta seja cumprida”, acrescenta.

No texto da NDC, o governo brasileiro estima que é possível elevar a ambição para além do nível base, isto é, para além de 59% de redução nas emissões de GEE. Por outro lado, o mesmo documento estabelece que essa taxa (59%) é o valor base para avaliar o progresso do país no combate às mudanças climáticas.

Já a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse, em coletiva de imprensa em Baku, que o número mais alto (67%) é o objetivo principal. Mas, realmente, não houve detalhamento de como isso será cumprido.

Para lideranças indígenas presentes na COP29, um dos caminhos para alcançar a meta é definir limites geográficos para terras ocupadas por povos originários. Isso significa a demarcação de terras indígenas.

“A redução que o governo propõe nas emissões (de GEE) só vai acontecer se as terras indígenas forem demarcadas”, destacou a educadora Concita Guaxipiguara Sompre durante mesa-redonda da COP29. Ela é cofundadora da Federação de Povos Indígenas do Pará (Fepipa).

 

Fig 3. Representantes do governo brasileiro durante a entrega da nova NDC às Nações Unidas em Baku, no mês de novembro de 2024. Crédito: UNFCCC

 

Ao demarcar terras indígenas, desmatamento e emissão de gases diminuem

As terras indígenas representam 13,8% do território nacional, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Há 631 terras reconhecidas. Outras 157 estão em avaliação para que possam ser incluídas como territórios dos povos que já habitavam o Brasil antes dos tempos coloniais.

Para Concita Guaxipiguara Sompre, o modelo de desenvolvimento econômico que se baseia na exploração dos recursos naturais é o que mais polui. Isso também contribui para o avanço da exploração dos territórios indígenas.

A fala da educadora tem embasamento. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima indicam que, em 2023, o desmatamento e a agricultura responderam por mais de 50% das emissões de GEE no Brasil. E esta realidade vem se repetindo há vários anos.

Mas há o que comemorar! Os dados do SEEG estimam que houve queda de 12% nas emissões de GEE brasileiras em 2023 em comparação a 2022. E o desmatamento na Amazônia foi um dos grandes responsáveis pela redução. Foi a maior queda registrada desde 2009.

“Se a gente está falando do Brasil e de cumprir metas, temos que reconhecer que as terras indígenas têm segurado as áreas para não desmatar”, afirma a cientista indígena Wapichana Sinéia do Vale, coordenadora do Comitê Indígena das Mudanças Climáticas.

De acordo com o Fórum Econômico Mundial, a proteção do território indígena reduz o desmatamento dentro da área demarcada. Também ajuda a restaurar o crescimento da floresta que havia sido desmatada.

“As terras indígenas que estão mais avançadas em processos de demarcação têm taxas de desmatamento menores”, indica Cláudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.

Apesar de a nova NDC brasileira mencionar que os povos tradicionais serão contemplados em políticas públicas, ela não estipula quantas terras a mais serão demarcadas. Também não estabelece quanto de dinheiro será destinado para este fim. Tampouco menciona o quanto essas terras são fundamentais para a preservação da floresta.

Essas terras são espaços demarcados pelo Governo Federal e protegidos para posse permanente e direito de uso exclusivo dos povos indígenas. Ou seja, é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988.

 

Fontes consultadas:

Brasil. NDC. Disponível em: https://unfccc.int/sites/default/files/2024-11/Brazil_Second%20Nationally%20Determined%20Contribution%20%28NDC%29_November2024.pdf.

ClimaInfo. Com desmatamento em baixa, emissões brasileiras registraram a maior queda em 15 anos em 2023. Disponível em: https://climainfo.org.br/2024/11/07/com-desmatamento-em-baixa-emissoes-brasileiras-registraram-a-maior-queda-em-15-anos-em-2023/. Publicação: 8 nov 2024.

SEEG. Conheça as emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Disponível em: https://seeg.eco.br/#emissoes.

World Economic Forum. Indigenous land rights play a vital role in protecting the Amazon rainforest. Here’s how. Disponível em: https://www.weforum.org/stories/2023/06/indigenous-land-rights-protect-amazon-rainforest/#:~:text=A%20new%20study%20found%20that,growth%20in%20previously%20deforested%20areas. Publicação: 8 jun 2023.

K. Baragwanath, E. Bayi, N. Shinde, Collective property rights lead to secondary forest growth in the Brazilian Amazon, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A.120 (22) e2221346120, https://doi.org/10.1073/pnas.2221346120 (2023).

United Nations Climate Change. Nationally Determined Contributions (NDCs). The Paris Agreement and NDCs. Disponível em: https://unfccc.int/process-and-meetings/the-paris-agreement/nationally-determined-contributions-ndcs.

Brasil. Ministério dos Povos Indígenas. Painel Terras Indígenas no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/terras-indigenas/geoprocessamento-e-mapas/painel-terras-indigenas. Atualização: 11 set 2024

Vick, Mariana. Por que a nova meta climática brasileira é insuficiente. Nexo Jornal. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/11/13/brasil-meio-ambiente-meta-climatica-cop29. Atualização: 13 nov 2024

*Todos os sites foram acessados em 14 nov 2024.

 

Por Renata Fontanetto

Esta reportagem faz parte da Climate Change Media Partnership 2024, uma bolsa de jornalismo organizada pela Earth Journalism Network da Internews e pelo Stanley Center for Peace and Security.

Data Publicação: 21/11/2024