Conheça os diferentes processos envolvidos na expansão territorial das favelas brasileiras
Atualmente, as favelas brasileiras ocupam uma área de aproximadamente 106 mil hectares. O dado faz parte de um levantamento realizado pelo MapBiomas Brasil, que analisou imagens de satélite captadas entre 1985 e 2021. Isso representa, por exemplo, três vezes a área da cidade de Belo Horizonte (MG). Além disso, elas crescem em ritmo acelerado. Somente na última década, o número de favelas dobrou no país, de acordo com a pesquisa Data Favela 2023. O número de habitantes também impressiona: são mais de 17 milhões de pessoas vivendo nestas áreas. Mas você já parou para pensar como ocorre a expansão de uma favela?
Fig 2. A cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, tem uma área de 331,4 km2. As favelas brasileiras ocupam um território três vezes maior. Crédito: Ekaterina Grebeshkova/iStock (adaptado por Invivo)
Mas o que são favelas?
A mesma pesquisa do Data Favela revela que, atualmente, existem mais de 13 mil favelas no Brasil, com cerca de 5,8 milhões de casas e 17,9 milhões de moradores. Quer saber qual a dimensão desses números? Então, pensa que, se as favelas fossem um estado, elas seriam o terceiro maior do Brasil em termos de população. Mas o que é uma favela?
Existem vários conceitos e, por aqui, trouxemos o do Observatório de Favelas, que define favela como um território que faz parte das cidades e que possui algumas características que podem estar presentes de forma parcial ou total. Entre elas, estão, por exemplo, investimentos insuficientes do Estado, mercado muitas vezes não regulado e a estigmatização, ou seja, é alvo do preconceito de pessoas que moram em outras áreas da cidade.
Uma favela também se caracteriza por relações não formais e precárias de trabalho, predominância de imóveis construídos pelos próprios moradores e elevada ocupação territorial. A definição traz ainda outros aspectos, por exemplo, indicadores educacionais, econômicos e ambientais abaixo da média da cidade, elevada concentração de negros (pretos e pardos) e descendentes de indígenas e taxa de mortes violentas intencionais acima da média do município.
Reutilização de espaços e os “puxadinhos”
Segundo dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), as duas maiores favelas do Brasil, tanto em relação ao número de habitantes quanto de domicílios, são a Sol Nascente, em Brasília (DF), e a Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ). Os dados preliminares do Censo 2022 divulgados em março de 2023 apontam que cada uma delas tem mais de 30 mil domicílios. No caso da Sol Nascente, o número de imóveis cresceu mais de 30% em relação ao Censo 2010. Já na Rocinha, esta taxa ficou na faixa de 20%.
Fig 4. À esquerda, a favela Sol Nascente, em Brasília (DF), e à direita a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ). Crédito: Agência Brasília/Flickr e Mark Pegrum/Flickr
Tania Fernandes, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), lembra, em entrevista ao Invivo, que as cidades são múltiplas e cada comunidade tem uma história singular. As formas de ocupação do espaço físico também são diferenciadas em cada região e envolvem um processo complexo. “Em alguns casos, há participação do Estado, em outros não. A maior parte, no entanto, é sem legalização”, afirma, lembrando que a maioria das casas localizadas nas favelas não possui regularidade fundiária.
Apesar das particularidades, alguns processos de expansão podem ser vistos em diferentes favelas do país. Entre eles, estão a reutilização de prédios, bem como a construção de novas casas lado a lado (horizontalização) e em cima de habitações já existentes (verticalização).
Segundo o historiador André Lima, vinculado à Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, o crescimento de algumas favelas no Brasil como Maré e Manguinhos, no Rio de Janeiro, envolveu a reutilização de espaços que antes eram destinados a alguma atividade econômica industrial.
Ele explicou ao Invivo que havia uma concentração de pequenos polos de indústria que foram sendo desativados entre os anos 1980 e 1990 na área conhecida como Grande Leopoldina (RJ). Esta região que abriga alguns bairros da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro (RJ), entre eles, Vigário Geral, Penha, Olaria, Bonsucesso, Manguinhos, Complexo do Alemão e Complexo da Maré. “Em um cenário de muita dificuldade econômica e de desemprego, as pessoas passaram a lançar mão dos meios que tinham disponíveis para resolver o problema da falta de habitação, reutilizando esses espaços”, explicou André.
O tempo vai passando, os filhos vão casando e surge a necessidade de abrigar mais pessoas. Segundo o historiador, com o crescimento populacional e o solo densamente ocupado, uma das soluções encontradas pelas famílias é a ampliação das moradias a partir dos “puxadinhos”, que são as expansões das casas para cima e/ou para os lados. E as novas construções também são impulsionadas pelo mercado de aluguéis.
Aspectos negativos da expansão territorial não planejada nas favelas
Em alguns casos, os processos de expansão exigem atenção redobrada. Quando a verticalização ocorre, por exemplo, em solos instáveis, como aterramentos e encostas de morros, pode colocar a vida de muitas pessoas em risco. E isto é uma realidade em parte importante do país, visto que, segundo o MapBiomas Brasil, de cada 100 hectares de favela, 15 foram construídos em áreas de risco. Ou seja, abrangem locais mais vulneráveis a sofrerem desastres naturais, por exemplo, desabamentos e inundações.
Além disso, construções sem planejamento e supervisão de profissionais especializados podem impactar até mesmo a saúde das pessoas. “Casas muito coladas umas nas outras, por exemplo, podem impedir a entrada de luz solar nas residências e prejudicar a ventilação”, explica Tania Fernandes, lembrando que esta configuração favorece a propagação de doenças respiratórias, como a tuberculose.
Os problemas são muitos e antigos. E, segundo André Lima, a responsabilidade vai muito além dos moradores das favelas: “Na verdade, eles trazem uma solução ao Estado que deveria lhes prover algum tipo de política pública de habitação”, ressalta. Vale lembrar que, desde 1948, o direito à moradia é considerado um direito fundamental pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. E, em 2000, o direito à moradia também passou a ser um direito constitucional no Brasil.
O documentário Herança Social, da VideoSaúde Distribuidora e da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), aborda este assunto. Assista:
Fontes consultadas:
Reis, Anna e Doyle, Luísa. Sol Nascente, no DF, se torna a maior favela do Brasil, segundo prévia do Censo 2022; G1. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2023/03/17/sol-nascente-no-df-se-torna-a-maior-favela-do-brasil-segundo-previa-do-censo-2022.ghtml
Albuquerque, Flávia. Favela cresce demograficamente e movimenta mais de R$ 200 bilhões; Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-03/favela-cresce-demograficamente-e-movimenta-mais-de-r-200-bilhoes. Publicação: 17 mar 2023. Acesso: 07 ago 2023
Guitarrara, Paloma. “Favela”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/brasil/favela.htm. Acesso: 07 ago 2023.
Observatório de Favelas. “O que é a favela, afinal?” Disponível: http://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2013/06/O-que-e%CC%81-a-favela-afinal_OF.pdf. Publicação: 2013. Acesso: 07 ago 2023
MapBiomas Brasil. Favelas no Brasil crescem em ritmo acelerado e ocupam 106 mil hectares. Disponível em: https://mapbiomas.org/favelas-no-brasil-crescem-em-ritmo-acelerado-e-ocupam-106-mil-hectares. Acesso: 07 ago 2023
Mereles, Carla. Direito à moradia. Politize. Disponível em: https://www.politize.com.br/direito-a-moradia/. Atualização: 30 ago 2017. Acesso: 08 ago 2023
Por Teresa Santos