Tomada aérea mostra casas destruídas em meio à lama dos rejeitos da barragem de Fundaão, em Mariana (MG)


Fig 1. Em 2015, o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, causou 19 vítimas fatais imediatas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). Nessa localidade, mais de 80% da população era negra (pretos e pardos, de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Crédito: mbfotoarte/iStock

 

As desigualdades também podem se dar no plano do ambiente

Você sabe o que é racismo ambiental? Em um primeiro momento, a expressão pode parecer de difícil compreensão, mas provavelmente é mais familiar do que imagina. Já notou, por exemplo, que as notícias sobre enchentes, deslizamentos, rompimentos de barragens, contaminação e desmatamento frequentemente têm como cenário locais onde a maioria da população é negra, indígena, ribeirinha ou pertencente a outros grupos étnicos vulnerabilizados? Pois então, isso mostra que as questões ambientais também podem se relacionar – e muito – com discriminação racial.

 

Racismo ambiental: como surgiu o conceito

A expressão racismo ambiental foi criada na década de 1980 pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. (1948 -), químico, reverendo e liderança do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Na juventude, Chavis foi assistente de Martin Luther King Jr. (1929 – 1968), pastor batista, ativista político e ganhador do Prêmio Nobel da Paz por suas ações voltadas ao combate do racismo nos Estados Unidos através da resistência não-violenta.

O conceito de racismo ambiental surgiu em meio a protestos contra depósitos de resíduos tóxicos no condado de Warren, Carolina do Norte, Estados Unidos, onde a maioria da população era negra. A situação, no entanto, não era (e ainda não é) exclusividade de Warren.

 

 

Em 1983, um relatório da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, em inglês) apontou que, nos oito estados do sul do país, 75% (ou 3 em cada 4 ) dos depósitos de rejeitos estavam concentrados em bairros com população predominantemente negra, apesar desse grupo representar apenas 20% dos habitantes da região. Nesse cenário, entre outros personagens importantes, podemos destacar o sociólogo norte-americano Robert Bullard, que esteve à frente, principalmente, da estruturação do conceito de justiça ambiental.

 

Fig 4. Justiça ambiental diz respeito a assegurar que nenhum grupo de pessoas suporte uma carga desproporcional de degradação do espaço coletivo. Crédito: simonapilolla/iStock

 

O racismo ambiental surgiu, portanto, no contexto do movimento negro dos Estados Unidos há cerca de 50 anos, porém, com o passar do tempo, o conceito foi ampliado. Atualmente, diz respeito às injustiças sociais e ambientais que impactam mais fortemente grupos étnicos vulnerabilizados e outros grupos discriminados por sua “raça”, origem ou cor. Isso significa que abrange negros, mas também comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e periféricas, entre outras.

 

Onde o racismo ambiental aparece no nosso dia a dia?

Talvez, com um olhar mais atento sobre o seu município, seja possível identificar casos de racismo ambiental à sua volta. Pense, por exemplo, onde estão instalados os aterros sanitários. Qual é o perfil dos moradores ao redor desses aterros? E quem são as pessoas que residem no entorno dos distritos industriais? Em que locais, as fábricas preferencialmente se instalam? Seria coincidência o fato de que as áreas com maior precariedade na coleta de lixo e no acesso à água e esgoto tratados serem aquelas com predomínio de pessoas não brancas e pobres?

 

Fig 5. Segundo dados do IBGE de 2018, enquanto mais de 40% da população preta ou parda não tinha esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial, esse percentual entre brancos não passava de 27%. Crédito: borgogniels/ iStock

 

Comunidades vulnerabilizadas e discriminadas estão mais expostas a situações de degradação ambiental e sofrem de forma mais recorrente com seus impactos, tal como com inundações, queimadas e contaminação. Elas também têm maior dificuldade de acesso a recursos naturais, por exemplo, água potável e ar limpo. São ainda, frequentemente, excluídas da tomada de decisão e dos processos de elaboração das políticas ambientais.

Desde 2010, o Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, um projeto da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com coordenação geral de Marcelo Firpo e coordenação executiva de Tania Pacheco, faz um levantamento de conflitos socioambientais no país. Até abril de 2022, quando esta matéria foi redigida, os pesquisadores já haviam contabilizado 615 conflitos. A análise desses dados evidencia o racismo ambiental: são 184 casos de lutas de povos indígenas por seus direitos, 134 de quilombolas, 74 de ribeirinhos, 68 de comunidades urbanas, entre outros.

 

 

Tania Pacheco, que também é criadora do blog Combate Racismo Ambiental, explica que a questão está relacionada ao impacto desproporcional sobre comunidades vulnerabilizadas. “O conceito de Racismo Ambiental nos desafia a ampliar nossas visões de mundo e a lutar por um novo paradigma civilizatório, por uma sociedade igualitária e justa, na qual democracia plena e cidadania ativa não sejam direitos de poucos privilegiados, independentemente de cor, origem e etnia”, escreveu Pacheco em texto disponibilizado no site e originalmente publicado em 2008.

 

Fontes consultadas:

WANDERLEY, L.J. Indícios de Racismo Ambiental na Tragédia de Mariana: resultados preliminares e nota técnica. Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS). Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, 2015. http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=665. Acessado em 20 de abril de 2022.

Wikipédia. Martin Luther King Jr. https://pt.wikipedia.org/wiki/Martin_Luther_King_Jr. Acessado em 20 de abril de 2022.

Wikipédia. Benjamin Chavis. https://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Chavis. Acessado em 20 de abril de 2022.

General Accounting Office, Washington, DC (USA). Resources, Community and Economic Development Div. Siting of Hazardous Waste Landfills And Their Correlation With Racial And Economic Status Of Surrounding Communities. http://archive.gao.gov/d48t13/121648.pdf Publicado em 1° de junho de 1983. Acessado em 20 de abril de 2022.

Lima A. Racismo ambiental e injustiça ambiental: o que são? Politize! https://www.politize.com.br/racismo-e-injustica-ambiental/ Publicado e atualizado em 04 de novembro de 2021. Acessado em 20 de abril de 2022.

Pacheco, T. “Racismo Ambiental: o que eu tenho a ver com isso?”. Combate Racismo Ambiental. https://racismoambiental.net.br/racismo-ambiental-o-que-eu-tenho-a-ver-com-isso/. Acessado em 20 de abril de 2022.

Pacheco, T., Racismo Ambiental: expropriação do território e negação da cidadania, in Superintendência de Recursos Hídricos (org.), Justiça pelas águas: enfrentamento ao Racismo Ambiental. Salvador: Superintendência de Recursos Hídricos, 11-23. Reproduzido em: https://racismoambiental.net.br/textos-e-artigos/racismo-ambiental-expropriacao-do-territorio-e-negacao-da-cidadania-2/

Wikipédia. Racismo ambiental. https://pt.wikipedia.org/wiki/Racismo_ambiental. Acessado em 20 de abril de 2022.

Carvalho D e Schimidt F. Racismo Ambiental: Por que algumas comunidades são mais afetadas por problemas ambientais? Futuro depende do fim da desigualdade. ECOA Uol. https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/racismo-ambiental-comunidades-negras-e-pobres-sao-mais-afetadas-por-crise-climatica/#cover. Publicado em 3 agosto de 2020. Acessado em 20 de abril de 2022.

Ribeiro S. Racismo ambiental: o que é importante saber sobre o assunto. Marie claire. https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/BlackGirlMagic/noticia/2019/10/racismo-ambiental-o-que-e-importante-saber-sobre-isso.html. Publicado em 07 de outubro de 2019. Atualizado em 08 de outubro de 2019. Acessado em 20 de abril de 2022.

Fernandes F. O que é racismo ambiental e por que falar sobre isso na escola. MultiRio. http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/17388-o-que-%C3%A9-racismo-ambiental-e-por-que-falar-sobre-isso-na-escola. Publicado em 27 de outubro de 2021. Acessado em 20 de abril de 2022.

IBGE. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Estudos e Pesquisas • Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 41, 2019. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf Acessado em 20 de abril de 2022.

 

Por Teresa Santos

Data Publicação: 13/05/2022